Aquele seria mais um dia comum não fosse pela surpresa que nos esperava na saída do supermercado. Com as sacolas de compras a tiracolo, paramos em frente ao carro para arrumar tudo no porta-malas. Meu marido destravou as portas, mas mudou sua fisionomia ao verificar que algo estava errado.
_ Não acredito, disse contrariado, emendando um palavrório.
_ O que foi, perguntei, assustada, já que ele não tem o hábito de xingar.
_ Olha isso aqui -, mostrou, irritado.
Ao dar a volta no veículo, vi um risco enorme na lataria feito, provavelmente, com um prego.
Sempre solidário, Diego apressou-se em acalmar o pai.
_ Fica triste não, papai. Eu vou matar quem fez isso.
Levei um susto.
_ Meu filho, onde você ouviu isso?
_ Uai, mamãe, os super-heróis não matam as pessoas ruins?
Ele me desconcertou.
_ Não, filho, só na ficção. Na vida real, nós não temos o direito de matar ninguém.
A aceitação da violência contra o outro pelo olhar de um menino de 4 anos e meio, me fez refletir sobre os filmes que nós e nossos filhos estamos assistindo. Aqueles nos quais pessoas incomuns, uniformizadas com sofisticadas roupas de lata ou com malhas bem breguinhas, salvam o planeta de ameaças bizarras depois de apanharem muito. A terceira maior bilheteria do cinema no mundo, este ano, responde pelo nome de “Vingadores”, cujo faturamento ultrapassa em muito a casa de R$ 1 bilhão.
Apaixonada pela sétima arte, eu não tenho nada contra os heróis de Hollywood sob a ótica do entretenimento. Assisti a maioria das histórias de ação e sempre fico impressionada com a tecnologia dessas superproduções. No entanto, confesso que nunca tinha pensado na mensagem higienista que esses filmes arrebatadores carregam: a de que é preciso limpar o mundo da escória que o ameaça. Dentro dessa filosofia salvadora, vale tudo, inclusive resolver conflitos através da força, usando violência para combater violência e a pretensa busca por Justiça para justificar justiçamentos.
No mundo de carne e osso, a crença de que há vidas que valem menos tem nos anestesiado, afinal, que mal há em atear fogo em imigrantes, linchar suspeitos ou esfaquear o outro em uma briga motivada por mais espaço em um varal comunitário? Nada, diriam muitos, pois quem é atingido é alguém alçado ao posto de inimigo. Em meio às barbáries que se repetem diante de nossos olhos, porém, morremos todos, a cada dia, enquanto civilização. E se continuarmos vestindo a capa da indiferença, não haverá Super-Homem, Homem de Ferro e nem Capitão América capaz de nos salvar de nós mesmos.