De uns tempos para cá, andava incomodada com o desinteresse do meu filho diante de perguntas relacionadas ao seu dia na escola. As respostas dele eram sempre lacônicas, monossilábicas: “legal”, “bom”, ele dizia. Preocupada com meu iminente fracasso no papel de boa mãe, ficava pensando em maneiras de envolvê-lo para que me contasse mais sobre sua rotina longe de casa. Tudo em vão. Até que um dia, li um texto que me fez enxergar o óbvio: precisava mudar a forma de perguntar, sair do questionamento vago para algo que funcionasse. Como não pensei nisso antes se fazer perguntas é parte fundamental da minha profissão?
O fato é que guardei as dicas e tratei de testá-las.
– Oi filho, qual foi a coisa mais legal que aconteceu na escola hoje?
– Mãe, a gente brincou de batatinha quente – contou Diego, que emendou um falatório.
Impressionada, parti para a segunda etapa:
– Conte, então, mais uma coisa que fez você dar risada…
Para minha surpresa, ele narrou histórias por quase uma hora. O episódio com o meu filho me fez refletir sobre o poder do questionamento. Acabou abrindo o arquivo da minha memória. Fui parar em 1999, ano em que escrevi uma série de reportagens para a Tribuna sobre os estupros de oito meninas na cidade cometidos pelo mesmo autor que era portador do vírus HIV. Acompanhei de perto o drama das jovens que, além de terem sofrido violência sexual, não tiveram a chance de receber a profilaxia preventiva da Aids. Trata-se de uma forma de prevenção da infecção do HIV, através da distribuição de um coquetel de medicamentos que, se usado em tempo hábil, torna menor a chance de contaminação do vírus.
Na época, o Ministério da Saúde só recomendava a adoção da profilaxia preventiva em situações de gravidez, a fim de impedir a contaminação de mãe para filho, e de exposição ocupacional, quando um profissional de saúde se acidentava ao manusear agulhas e outros objetos cortantes contaminados. Não havia normatização para os casos de estupro. A dor das vítimas, no entanto, me fez questionar as regras de adoção da profilaxia preventiva no Brasil. Queria saber por que a terapia que ajudava a prevenir a contaminação pelo HIV não poderia beneficiar vítimas de violência sexual. Entrevistei os principais infectologistas do país que se mostraram divididos.
No Ministério da Saúde, ouvi que não existiam evidências científicas sobre os benefícios da terapia para evitar a infecção do HIV nos casos de violência sexual, embora já houvesse comprovação de êxito da terapia em 80% dos casos de acidentes de trabalho. Foi quando percebi que deveria mudar a abordagem.
– E se fosse sua filha, você daria o remédio?
Todos os especialistas deram a mesma resposta:
– Sim, eu daria.
Após a série de matérias, o Ministério da Saúde anunciou mudanças em relação à profilaxia preventiva no Brasil, incluindo em suas recomendações a adoção da terapia medicamentosa nos casos de estupro. A norma, válida até hoje, me faz acreditar que perguntas não só movem o mundo, mas podem mudá-lo.