A impressionante imagem feita esta semana pelo repórter fotográfico Biné Morais sobre Cleidenilson, um homem de 29 anos amarrado nu a um poste, enforcado e espancado até a morte pela população de São Luís, no Maranhão, após tentativa de assalto a um bar, vai muito além da fotografia jornalística. O flagrante do justiçamento é um retrato atual da sociedade brasileira que se diz farta e acuada pela violência, mas é capaz de agir com a mesma ou maior violência que condena e, ainda justificá-la, afinal, o indivíduo assassinado era “apenas” um ladrão, ou seja, alguém que o senso comum destituiu de humanidade. E onde está a nossa humanidade?
Movidos por discursos de ódio frente à impunidade que assola o país, nos transformamos no que detestamos no outro, violamos nossas crenças sem nos dar conta que toda essa agressividade que nos amedronta também está presente em nós. No trânsito, basta uma fechada de outro motorista para assumirmos uma postura ofensiva contra aquele que nem conhecemos, mas acreditamos não ter condições de estar atrás do volante. Julgamos o tempo todo tudo e todos, incapazes de perceber que temos parte na realidade que repudiamos.
Há poucos dias, um vídeo compartilhado milhares de vezes no Facebook mostrava um homem que teve o veículo roubado após parar para socorrer alguém que fingia passar mal em via pública. O golpe despertou a ira de internautas. Um dos centenas de comentários sobre a cena, escrito por uma dona de casa, que tem na sua rotina o cuidado com a família, dizia: “Na dúvida, atropele.” No Rio, uma desavença entre alunos da Rocinha que deixavam a escola transformou a rua em praça de guerra. Apreendidos pela polícia, os jovens foram cercados pela multidão que gritava insistentemente: “Mata, mata.” Em Juiz de Fora, crianças da Vila Olavo Costa entre 8 e 9 anos que tentaram furtar o celular de uma loja também foram cercadas pela população que ameaçava linchá-las. Impedidos pela PM de agredir os garotos, os pedestres que circulavam pelo Centro retomaram a sua rotina de trabalho após o episódio e, na volta para casa, beijaram os filhos da mesma idade dos meninos que horas antes eles queriam açoitar.
Na dúvida, é preciso olhar para além do nosso quintal, pois a violência que nos afeta é um espelho que reflete, sem piedade, a nossa própria imagem.