Orgulho é uma palavra complexa. Na prática, é um sentimento com definições pouco nobres por significar um conceito muito elevado sobre si mesmo. Mas quando falo sobre o papel do jornalismo na minha vida, sempre repito que tenho muito orgulho de ser repórter. Muito mesmo. Talvez seja uma pobreza de linguagem, mas o fato é que me sinto honrada e agradecida por ser uma contadora de histórias da vida real. Há algumas semanas, porém, meu castelo de vaidades sobre ser jornalista ruiu. Foi numa manhã chuvosa de sábado, quando fui à Escola Municipal Dr. Adhemar Rezende de Andrade, no Bairro São Pedro, para dar uma palestra.
Ao mirar o portão da escola, recriminei, mentalmente, aquela muralha de ferro trancada. Julguei ser mais uma ilha em meio a uma comunidade mergulhada em problemas sociais. Sem perceber, ativei meu preconceito mais rápido do que o botão do interfone que ficava ao lado da entrada. Para minha surpresa, quando a porta se abriu, o dia cinzento ficou lá fora. Dentro do colégio, havia uma inesperada cor nas paredes, nos murais e por que não dizer no coração das crianças? Havia também um pátio lotado de meninos sonhadores, café da manhã coletivo, música de boa qualidade. Eu, do alto do meu orgulho, fui me sentindo pequena por ter sido enganada por minha estreita forma de olhar.
Iniciei a palestra diante de cem crianças e adolescentes com os olhos grudados em mim. No final, fui bombardeada por perguntas sobre meus livros, mas também sobre a redução da maioridade penal, sobre a greve dos professores, sobre a situação dos refugiados. Fiquei muito impressionada com o interesse deles pela cidade e pelo outro. Na saída, um grupo de estudantes me levou na porta e, no caminho, eu não pude deixar de ler uma frase de Paulo Freire reproduzida na parede: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo.”
Naquele dia, eu senti vergonha de ser jornalista. Muita. Vergonha pelo fato de que nós só cobrimos o que se passa no dia a dia das escolas públicas quando a polícia é chamada ou quando é divulgado o ranking das escolas com melhor pontuação nas avaliações estaduais e nacionais. Vergonha por só discutirmos violência sob a ótica da violência. Por não reconhecermos o esforço de muitos professores na busca de soluções para realidades de exclusão.
Na segunda-feira, cheguei na redação querendo fazer diferente. Propus construirmos uma reportagem que contemplasse iniciativas e boas práticas em meio a um conteúdo pedagógico tradicional. Sugeri publicarmos uma matéria não sobre os melhores alunos, mas sobre bons seres humanos. No dia em que senti vergonha de ser jornalista, eu me lembrei que, para escrever a história do mundo, é fundamental ter esperança de mudá-lo.