Falar sobre violação sexual é falar do medo que todas nós sentimos, diariamente, de engrossar uma estatística cada vez mais cruel no Brasil: a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no país, sendo que 70% dos casos são relacionados à infância e à adolescência. Tenho acompanhado de perto, em função de um projeto jornalístico, a situação de crianças e adultas expostas à dor do abuso. E, apesar de ter coberto muitas histórias em toda minha carreira, só recentemente me dei conta de que somos submetidas à violência de gênero desde que nos entendemos por gente. Todas nós conhecemos amigas e familiares que já passaram por constrangimento, assédio, machismo, violência. Quem nunca foi submetida à situação humilhante e vexatória? Quem nunca foi tocada sem o seu consentimento por agressores disfarçados de homens? Quem nunca?
Recentemente, em uma viagem de trabalho, hospedei-me em um hotel bem-conceituado, cuja rede acabara de ser inaugurada. Ao voltar de uma palestra, no entanto, percebi que o frigobar do meu quarto estava desabastecido. Eu precisava tomar um remédio, porém, não havia água, nem suco ou refrigerante. Como já era quase meia-noite, pensei em solicitar água na portaria, mas desisti, quando refleti sobre o risco de chamar ao meu quarto um funcionário. Preferi beber água da torneira a passar por alguma situação que pudesse representar ameaça. O horrível disso tudo é que o que pode parecer exagero para os outros é parte da nossa rotina de medo.
Quanta desconfiança há em torno de um relato de abuso, quanta vergonha e culpa ronda a vítima que passa por um estupro ou tentativa? Aliás, o estigma de vítima já é um fardo pesado demais para ser carregado. Por isso, muitas mulheres abusadas têm usado o termo sobrevivente para falar sobre si mesmas, talvez porque sobreviver a um trauma exija força e não pena. Ser sobrevivente é sair da condição passiva de vítima para ser parte fundamental do processo de reconstrução da própria identidade.
E, além de responsabilização dos autores, o acolhimento dessas mulheres, de todas nós, é parte fundamental para que o silêncio seja rompido. A série Grey’s Anatomy fez história ao trazer para a ficção a história de uma paciente estuprada e politraumatizada que, na unidade hospitalar, se negava a fazer o trajeto até a sala de cirurgia por medo de encontrar algum homem pelo caminho. Foi então que todas as mulheres do hospital – médicas, enfermeiras, auxiliares de limpeza, funcionárias do setor administrativo -, se reuniram nos corredores para que, durante o seu deslocamento, a sobrevivente só enxergasse rostos femininos. Assim, em um corredor formado por solidariedade e empatia, ela se sentiu segura para chegar ao setor onde a intervenção cirúrgica ocorreria. O fato é que naquela maca poderia estar qualquer uma de nós.
A mensagem que fica de uma das cenas mais bonitas da bem-sucedida série americana, que teve seu primeiro episódio transmitido pela TV em 2005, é clara: precisamos nos fortalecer e estar juntas para combater não só o abuso, mas toda uma cultura de omissão e opressão que o alimenta.