Não é novidade para ninguém que não sou fã de carnaval. Não gosto da agitação que acontece nesses dias, preferindo aproveitar a folga ao lado da minha família. Mas o fato de eu não participar da folia não me dá o direito de “demonizá-la” e nem me torna alheia ao que se passa na maior festa popular do planeta. Então, mesmo de longe, pude acompanhar a atitude solidária dos foliões do Boi Tolo, bloco carioca que interrompeu o som depois que os músicos, seguidos por todos os participantes, se sentaram no chão para ajudar a mãe de uma criança perdida a localizá-la. A ambulante Ágata Januário procurava por Rafael, o filho de quem havia se desprendido em meio àquele mar de gente. Naquele dia, mãe e filho saíram para as ruas sem café da manhã. Sem dinheiro para comida, a vendedora de bebidas esperava conseguir com sua atividade informal o suficiente para poder alimentar a criança.
Em Salvador (BA), a cantora Ivete Sangalo interrompeu o trio elétrico para acudir uma vendedora ambulante que teve seu isopor quebrado enquanto trabalhava. Ivete garantiu que compraria outro e ainda se comprometeu a arcar com o prejuízo. Teve também Neymar e Anitta fazendo cena no camarote da Sapucaí e toda a especulação sobre o improvável beijo entre os brasileiros galáticos. Na passarela do samba, a escola Vila Isabel trouxe para a avenida familiares de Marielle Franco em um carro sobre a abolição da escravidão. Junto da imagem de Princesa Isabel, havia uma faixa escrita “Marielle presente”. Com o enredo História pra Ninar Gente Grande, a Mangueira, campeã do grupo especial do Rio de Janeiro, trouxe os invisíveis da história para os olhos do mundo.
Foi assim, em meio a críticas sociais, episódios clássicos de violência (vide o bloco Frevo da Lud, no Rio) e alguns exemplos de humanidade que o Carnaval 2019 aconteceu. Mas o que ficará marcado na cena internacional será a publicação de um vídeo pornográfico através da conta do presidente Jair Bolsonaro. As imagens mostram um homem urinando sobre o outro com consentimento do rapaz. O presidente comentou a cena: “Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”.
Ao estigmatizar o carnaval, a cultura popular de um país e expor a imagem do Brasil perante o planeta, Bolsonaro erra feio. E não se trata de concordar com atos obscenos em praça pública, claro que não, mas de colocar o que é ou não relevante no centro do debate público. Quando as redes sociais são usadas para governar um país, o grande risco é revelar-se a incapacidade de discernir sobre o comportamento do homem vulgar e o decoro de um presidente.