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Pela volta do “fio do bigode”

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Não sou do tempo em que a palavra valia tanto quanto o “fio do bigode”, expressão usada para dizer que palavra dada era palavra cumprida. Palavra só, não, porque, como garantia de fechamento de um negócio, o cabra dava um fio do seu “bigodon” em garantia. Fio arrancado era certeza de cumprimento do acordo, fosse ele qual fosse. Apesar de anti-higiênica, a medida funcionava. E não tinha nada de reconhecimento de assinatura em cartório não e nem processo por quebra de contrato. A coisa muito antigamente era pá-pum, do tipo: se eu falo, eu cumpro. E, se não cumprisse, o caboclo ficava moralmente desonrado, o que era sinônimo de fim de linha para ele, sua família e os infelizes que descendessem do sujeito e que tivessem seu nome inserido naquela árvore genealógica.

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Essa expressão me ocorreu há poucos dias, quando percebi a que ponto chegamos na nossa desconfiança em relação ao outro. Hoje, no momento em que alguém diz alguma coisa, leva um bocado de tempo para que a gente decida se deve acreditar. Primeiro a gente analisa se quem fala tem o mínimo de credibilidade. É que ninguém se envergonha mais em ser visto como um descumpridor de palavra. Caráter, afinal, virou um negócio de ocasião. Serve para algumas coisas, mas, para outras, não tem o menor sentido.  Por causa da ideia de que, em tese, ninguém é confiável, vivi dentro da minha casa um momento surreal.

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É que meu marido comprou um brinquedão que funcionava em um shopping de Belo Horizonte para colocar em seu restaurante em Juiz de Fora. Viajou  300 quilômetros, a fim de ver de perto o que prometia o anúncio. Viu, gostou do material e resolveu fechar negócio. Deu um sinal em dinheiro como garantia de que realmente ficaria com o brinquedo. Voltou para cá, providenciou o frete e depositou mais uma parte da quantia na conta da proprietária. O restante do valor seguiu com o motorista do caminhão que apanharia a mercadoria de madrugada, já que, durante o dia, não se pode parar veículos de grande porte na área onde o brinquedão estava guardado.  Eram 3h30 da manhã, quando Marco telefonou para o transportador. Queria saber se ele tinha chegado bem a Belo Horizonte. O acordo era que a dona do brinquedão encontrasse o motorista em uma avenida daquela cidade, mas, na hora combinada, a mulher não apareceu. Marco ligou para ela apreensivo. O telefone demorou a ser atendido. Do outro lado da linha, a empresária dizia que, por causa da chuva, tinha se atrasado e que levaria um tempo para chegar ao local marcado. Foi o suficiente para começar uma novela que só terminaria às 7h.

Apavorado, o motorista disse ao Marco que temia sofrer uma “emboscada”. “Tenho uma filha de 3 anos para criar”, desabafou, demonstrando toda sua insegurança. A tensão do Marco só aumentava. De tempos em tempos, ele ligava para a mulher, que afirmava estar a caminho do local combinado. Ela continuava a culpar o mau tempo pelo seu atraso.  Marco, então, pensou em acionar a polícia, preocupado com a vida do homem que ele havia contratado para fazer o frete. Por isso, quando a empresária finalmente chegou ao ponto de encontro, ele começou a monitorar o caminhão via GPS. Se ela e os dois rapazes que diziam ser seus ajudantes atentassem contra a vida do coitado, meu marido saberia exatamente onde estavam. O fato é que Marco ficou na linha até que eles chegassem ao depósito. No viva-voz do celular, acompanhava cada momento. Ouviu quando a mulher perguntou se o dinheiro estava no caminhão.

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Do quarto onde eu acompanhava meu filho, que havia passado muito mal por conta de uma amigdalite aguda, eu rezava pela vida do homem “que tinha uma filha de 3 anos para criar”. Era como se a gente já pudesse ouvir a arma sendo engatilhada.  O que se seguiu depois foi surpreendente: o brinquedo foi entregue devidamente ao transportador. O dinheiro pago à empresária. Ninguém matou ninguém. Às 7h, quando todas as peças do equipamento já estavam na caçamba do caminhão, o motorista suspirou aliviado. Marco nem se fala. No fim das contas, percebi que o motorista e o Marco estavam com medo da empresária, e ela estava morrendo de medo dos dois. Todos temiam todos. Ninguém confiava em ninguém. Ela achava que seria emboscada. O transportador contava os minutos de vida que lhe restavam e Marco já dava como certo ter caído em um golpe. Seria cômico se não fosse trágico.

Passado o susto, lamentei por vivermos um tempo no qual nos surpreendemos com atos de honestidade, a ponto de alguém virar notícia por ter devolvido um dinheiro perdido ou por atuar em frentes de solidariedade. Torço pelo dia em que exercitaremos formas mais civilizadas de estar no mundo.

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