“Não existe peleumonia e nem raôxis”. Foi dessa forma que Guilherme Capel Pasqua, o clínico geral do Hospital Santa Rosa de Lima, em Serra Negra (SP), ironizou publicamente o paciente que havia acabado de atender. Nas redes sociais, o jovem médico imitou a forma de falar do mecânico José Mauro de Oliveira Lima, 42 anos, o homem semianalfabeto que procurou o hospital onde Guilherme trabalhava como plantonista por causa da dor no peito que sentia. Ao perguntar como seria o tratamento para “peleumonia”, o doutor deu risada.
Não satisfeito, Guilherme fez um post infeliz no Facebook e virou alvo da revolta do enteado do mecânico e de um país horrorizado com o tipo de profissional que as faculdades estão formando. “Independente de o senhor ser doutor, não existe faculdade para formar caráter”, respondeu, na mesma postagem, Claudemir Thomaz Maciel da Silva, 25 anos, que acompanhava o padrasto na consulta.
Após o episódio, o clínico foi demitido do hospital e sentiu na pele o que é receber o menosprezo dos outros. Experimentou na própria carne a dor de ser exposto. Pressionado, Guilherme se desculpou publicamente, mas terá sua conduta profissional avaliada pelo Conselho Regional de Medicina.
Foi a mineira Júlia Rocha quem conseguiu ensinar a lição que pessoas como Guilherme parecem ainda não ter aprendido: o respeito ao ser humano. “Existe peleumonia”, escreveu a médica de família. “Eu mesma já vi várias. Incrusive com febre interna que o termômetro num mostra. Disintiria, quebranto, mal olhado, impíngi, cobreiro, vento virado, ispinhela caída. Eu tô aqui pra mode atestá. Quem sabe o que tem é quem sente. E eu quero ouvir ocê desse jeitinho. Mode a gente se entendê. Por que pra mim foi dada a chance de conhecê as letra e os livro. Pra você, só deram chance de dizê. Pode dizê. Eu quero ouvir.” (sic)
Ser ouvido é parte do acolhimento que qualquer pessoa espera quando se sente fragilizada diante não só de uma doença, mas de qualquer problema que a aflige.
Entre o médico e o mecânico existe um abismo social causado pela oportunidade e a falta dela. O paciente até quis estudar, mas nunca teve condições financeiras para isso. Já o jovem doutor conseguiu “ser alguém”, como diz, equivocadamente, os que acham que diploma é passaporte para um se tornar melhor do que o outro. Diploma é apenas papel, quando quem o possui não sabe manejar o básico: a educação.
Me lembro bem do primeiro dia de aula que tive com o mestre José Luiz Ribeiro, na UFJF, em 1991. Carismático, o professor veterano entrou na sala para falar aos alunos ansiosos sobre como se tornar um jornalista.
– Para ser qualquer coisa na vida, inclusive jornalista, vocês precisam saber três palavras, disse Zélu, como é conhecido.
Ficamos, ali, esperando ouvir algo raro que, certamente, sairia da boca do homem que fundou o Grupo Divulgação, levando para os palcos o seu amor pela cultura.
– E que palavras são essas,professor?, questionou um estudante mais afoito.
José Luiz mirou os olhos de cada um e respondeu diante da sala lotada:
– Com licença, por favor e obrigado, disse o professor, nos surpreendendo.
Fico pensando que, se José Luiz Ribeiro tivesse dado aula ao clínico geral Guilherme, ele seria hoje um médico capaz de cuidar de todas as gentes