Há tempos, eu não abraçava a minha mãe tão longamente. Ela acabou de chegar do Ushuaia, na Argentina, a capital da Província da Terra do Fogo. Ficou 18 dias fora. Lá pelas bandas dos hermanos, mi madre se pôs a ler a coluna que escrevi sobre os talentos culinários dela. Ficou muito emocionada e disse que meu texto tinha sido o seu presente de Natal. Aqui, juntas novamente, ela afirmou que minha forma de demonstrar amor era “muito linda”. Isso mexeu comigo, porque Dona Sônia estava falando justamente da minha escrita. Se, para ela, cozinhar é um ato de amor, o meu ato é escrever.
A palavra vibra dentro de mim. Ela me desnuda. Revela uma parte do muito que carrego, porque só através das letras eu consigo me mostrar. Às vezes, quando não sou entendida em uma conversa, tenho uma vontade imensa de falar: espera aí, deixa eu escrever. Escrevendo, me sinto inteira, pois as palavras são a minha forma de ler o mundo. Quando teço um texto, procuro expressões que possam dizer mais do que sou capaz. É como uma bordadeira, que escolhe fio a fio aqueles que vão ornamentar o seu tecido.
A paulista Cris Pizziment usa a poesia para falar exatamente dessa tecitura, dos fios e dos retalhos que vão se tornando vida e memória, que vão nos construindo como seres humanos: “Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou. Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior… Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade… Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa. E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados… Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma”, escreveu.
Ao final, ela arremata o texto com o desejo de se tornar parte da história do outro. “E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de “‘nós'”.
Eu me enxergo através da escrita. E como ninguém pode constituir um enunciado sozinho, como é o caso das palavras, elas compõem a minha unidade. E entre substantivos, verbos e adjetivos, me tornam muito melhor do que realmente sou.