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‘Olhai as crianças’

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Com 1 ano de idade, Vitória nunca viu um animal. Também não frequentou nenhum parque. Jamais tocou em uma flor. Não conhece prédios e nem carros. Não está acostumada a passear ao ar livre. Pela janela de seu quarto, ela não enxerga nada além de uma muralha desbotada e um balanço enferrujado encoberto pelo mato. Desde que veio ao mundo, a menina vive confinada nos corredores do Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, único do Rio Grande do Sul (RS) a ter uma Unidade Materno Infantil em funcionamento. Lá, a menina cumpre ao lado da mãe parte de uma pena fixada 15 anos antes de ela ser concebida dentro da cadeia.

A história de Vitória foi publicada por mim no livro “Da ciência a prática”, da Fundação Bernard van Leer. Antes de ter sido convidada pela Cross Content para escrever sobre a temática da infância no país, eu não conhecia de perto a realidade das mães no cárcere. Só depois que tive contato com essas mulheres é que percebi a extensão desse drama.

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Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) sobre a situação das mulheres encarceradas no Brasil, feito com base em dados de 2016, aponta que há mais de 42 mil mulheres presas no país. Destas, 74% têm filhos. Ao todo, 1.100 crianças estão com as mães atrás das grades.

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Condenada à invisibilidade, a maternidade no cárcere passou a ser discutida no Brasil há três anos, a partir da publicação da lei 13.257/2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância. Entre as mudanças previstas pela norma está a determinação de que mulheres grávidas ou mães de crianças com até 12 anos que estiverem presas, preventivamente, aguardem a decisão final sobre seu processo em prisão domiciliar.

Alessandra, presa há 16 dos 43 anos de vida, viu a filha de 5 anos perder-se dela. Presa por causa de um assalto, ela só esteve com Valéria, atualmente com 21 anos, cinco vezes durante os 5.840 dias de cárcere. É exatamente esse rompimento de laços que a lei 13.257/2016 busca evitar.

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“O cumprimento da lei visa o cuidado com a sociedade. O impacto da prisão no desenvolvimento de uma criança é sentido por toda a vida. Cuidar dessas crianças é cuidar de toda a sociedade”, já explicava o advogado Pedro Afonso Hartung, referência em temas da infância.

Quando encerrei as entrevistas no Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier e deixei o prédio, me deparei com um apelo feito em forma de frase no muro grafitado da cadeia. “Olhai as crianças.”

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