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Os pobres vão à praia

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Um dos programas jornalísticos mais polêmicos dos anos 1980 e 1990, o “Documento especial” da extinta TV Manchete, continua a fazer história mesmo há 19 anos fora do ar. Recentemente, “desavisados” de plantão escancararam nas redes sociais todo o preconceito da sociedade brasileira captado em um episódio de 1989, no qual moradores do subúrbio carioca ousaram invadir a praia dos banhistas da Zona Sul com seus corpos negros, seus modos grosseiros e sua condição social desfavorável. Os invisíveis do morro impuseram sua existência aos bem-nascidos do asfalto, despertando a ira dos filhos de Copacabana e de Ipanema que, acuados, se viram obrigados a migrar para as areias da Barra da Tijuca.

– Eu venho à praia na Barra, porque botaram uns ônibus horrorosos, de onde saem umas pessoas completamente horríveis que vão lá sujar a praia. Não podem tirar o pessoal do Méier e levar para a praia em Copacabana, porque não posso conviver com quem não tem o mínimo de educação (…) Tenho horror de olhar para essas pessoas e sacar que são do mesmo país que eu. Não são brasileiros não, são sub-raça, afirmou, no programa, uma jovem de 18 anos que hoje é advogada e diz sentir vergonha de suas declarações daquela época.

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Outra jovem ouvida pelo programa também condenou o uso do espaço público por quem,  na sua opinião, deveria ficar no seu quadrado:

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– Tem que dar um meio de divertimento pra elas, para que essas pessoas não venham à praia.

E o festival de intolerância não parou aí. Houve quem sugerisse cobrança de ingresso para acessar aquele pedaço de mar onde o azul é mais azul e teve até um loirinho com pinta de surfista que disse não ter nada contra pobre, mas que, na praia que frequentava, ele preferia estar junto dos seus.

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No fim do episódio, a bonitinha arrependida – a advogada que hoje reconhece ter sido uma jovem alienada no passado -, falou sobre o “nojo” que sentia ao ver essa gente brasileira comer “farofa com galinha” nas praias da Zona Sul. Mas o que será que ela tem contra essa mistura deliciosa? Minha mãe conta que quando eu e meu irmão mais velho éramos pequenos, nós dois traçamos um bom frango com farofa oferecido por uma passageira do ônibus em que viajávamos para Rio Pomba, cidade natal da minha avó Maria. Era lá que os filhos da Dona Sônia passavam parte das deliciosas férias escolares, na casa simples e confortável onde meu avô Geraldo sonhou um dia construir uma piscina que nunca foi mais do que um círculo riscado de giz no cimento quente do quintal.

Pior do que assistir ao ódio que a pobreza despertou naquele programa exibido em 1989 é constatar que nada mudou de lá para cá. É perceber que ainda somos um país dividido em muitos Brasis desiguais e desumanos com pouco ou nenhum lugar para quem mora em suas margens. Na Casa Grande, a gente considerada da senzala ainda não é bem-vinda 127 anos depois do fim da escravidão. Se a princesa Isabel nos visse hoje sentiria vergonha de nós.

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