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A dor de todas as mães

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Na semana passada, procurei a Promotoria da Infância e Juventude para repercutir uma reportagem que havia publicado na Tribuna sobre abrigos da cidade. Na ocasião, o promotor Carlos Ari Brasil estava em audiência e pediu para que eu esperasse. Apesar de estar do lado de fora da sala, consegui ouvir quase tudo que se passava lá dentro: as perguntas aos adolescentes envolvidos em atos infracionais, a falta de respostas convincentes e o choro das mães. Quando o último jovem deixou o gabinete de chinelos, uma mulher miúda, moradora da periferia, também saiu de cabeça baixa, enxugando as lágrimas que os óculos não conseguiam esconder. Fiquei sem lugar diante daquela cena terrivelmente real.

Ao ser, finalmente, atendida, o promotor me explicou que o caso daquele menino de 15 anos era grave e não havia outra alternativa senão pedir o acautelamento dele no Centro Socioeducativo Santa Lúcia, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei, aliás, equivocadamente interpretada como permissiva, pois é duríssima com meninos e meninas que infringem normas e, diferentemente do Código Penal – aplicado no mundo adulto – não aceita atenuantes.

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Na mesma hora, pensei naquela mãe e no que ela estaria sentindo ao ver o filho sendo legalmente conduzido para uma unidade de privação de liberdade de jovens em conflito com a lei. Passou um filme na minha cabeça e me coloquei no lugar dela: e se fosse o meu filho? É claro que a maioria de nós já tem um discurso pronto sobre isso. Imagine, os filhos da classe média não cometem crimes, porque são criados com boa educação e com limites. Mas e o filho da outra? Pobreza não é sinônimo de negligência, nem de desamor, embora seja determinante quando o assunto é acesso e oportunidade.

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Em todos os anos de escuta de mulheres que perderam seus filhos adolescentes para a criminalidade, conheci mães muito batalhadoras, que trabalharam duro para oferecer o melhor que podiam dentro de uma vida de privações. Uma delas, que jamais vou esquecer, teve o filho de 14 anos assassinado em uma briga de gangues. No dia do crime, ele estreava o tênis que ela – uma empregada doméstica – havia comprado em dez prestações. Em uma sociedade de consumo que só valoriza o ter em detrimento do ser, a mãe acreditava que o calçado que custou o valor de todo o seu salário mínimo tornaria seu filho igual aos meninos “bem-nascidos” da casa onde ela trabalhava.

Se muitas mães de infratores não são irresponsáveis, trabalham e mesmo assim são pobres, então a solução do problema para esses filhos transgressores está na educação. Mas de qual educação estamos falando? A que promove o menino e, nas palavras da pedagoga Gisele Zaquini Lopes, o ajuda a compreender e intervir no mundo em que vive, ou a que domestica o pobre evitando que, mais tarde, ele se torne o bandido que entrará nas nossas casas?

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Em um mundo de aparências e superfícies, criminalizar a pobreza é a forma mais fácil de aceitar a cristalização dos espaços e de conviver com as desigualdades que nos desafiam, pois, para o conforto da minoria, todos devem ficar exatamente no lugar para o qual foram destinados. Mas no mundo das mães é diferente. O sofrimento de uma é a dor de todas.

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