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Solidão coletiva

daniela arbex
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Ernest Hemingway, norte-americano que ganhou o prêmio Nobel da Literatura, em 1954, declarou certa vez, que mesmo entre a multidão, sentia-se sempre sozinho. A sensação de estar fora de lugar aparece em vários trechos de suas obras que também abordam o amor, as guerras e o tédio existencial. O famoso escritor se suicidou com um tiro na cabeça em 1961, aos 62 anos de idade, após muitos sucessos literários e quatro casamentos.

Me lembrei de Hemingway e de seu trágico final durante uma viagem recente de trabalho. Como dou muitas palestras para o meio estudantil, tenho ouvido com atenção os relatos de professores preocupados com a realidade de seus alunos. Eles falam sobre jovens com dificuldade de ter iniciativa ou de encontrarem objetivos para além do imediatismo que tem movido às relações sociais. Sobre meninos e meninas desinteressados na vida, porque só conseguem enxergar o instante. Muitos deles são filhos únicos de famílias sem tempo para conviver, porque nelas os adultos estão muito ocupados com o sobreviver. Também discutem a dificuldade que esses estudantes têm de cumprir tarefas, de se enquadrarem às necessidades de um mercado de trabalho completamente em descompasso com sua forma de ser. E quando o mundo não gira em torno deles, simplesmente se desconectam, porque a existência deixa de ser interessante.

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Para além de todo o abismo entre as gerações, me peguei pensando sobre o que tem levado as pessoas a sentirem tanta indiferença por si mesmas e pelo outro? Em um dos relatos mais dramáticos que ouvi, soube da história de um estudante da Faculdade de Engenharia que estava a menos de um ano da formatura, quando participou de uma festa com outros colegas em uma república. Lá, os rapazes fizeram uma aposta que parece ser corriqueira nesses encontros: queriam saber quem seria capaz de beber a maior quantidade de vodca. A disputa, então, concentrou-se sobre um estudante do sétimo período que chegou a consumir naquela noite 51 doses. Não conseguiu levantar o copo pela 52ª vez. Seu corpo despencou, em colapso, no chão. Ficou caído ali, em meio a uma multidão de amigos, sem que nenhum deles tivesse notado que ele não respirava mais. Estava morto. A festa continuou rolando com o cadáver na sala. Ao final, como o universitário não se levantava, alguém se lembrou – tarde demais -, de perguntar como estava.

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O choque foi geral ao descobrirem que o menino sorridente, estudioso e popular não resistiu a tanta bebida, sofrendo, possivelmente, uma parada cardíaca. A morte na frente de todas as pessoas do evento me deixou consternada. Como, entre dezenas de outros jovens, não houve nenhum que o tivesse alertado do risco de ingerir tanto álcool? Como ao menos um amigo não percebeu a gravidade do caso? Quando alguém ao nosso lado perde os sentidos, até quem não se relaciona com essa pessoa corre para oferecer ajuda. Por que isso não aconteceu na festa dos estudantes? A pergunta ainda sem resposta, para mim, é em qual momento deixamos de nos importar com quem está ao nosso lado?

Ernest Hemingway não avisou que iria se matar. Hoje, no entanto, apesar de a depressão ainda ser conhecida como uma doença silenciosa, os jovens vão para as redes sociais anunciar sua morte e até transmiti-la como uma espécie de último pedido de socorro. O fato de juntos continuarmos sozinhos deveria ser um alerta dentro e fora do meio acadêmico. Ignorar a solidão coletiva é cruzar, voluntariamente, os braços para a dor alheia.

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