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Assalto à nossa humanidade

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Algumas matérias que escrevemos envelhecem com o jornal e, apesar de importantes, acabam se tornando passageiras em um cotidiano no qual somos bombardeados por muita informação e pouquíssimo conhecimento. Mas há histórias capazes de nos transformar, de nos fazer enxergar o que antes simplesmente não conseguíamos ver. E, quando a gente aprende a olhar, descobre realidades estrangeiras, aquelas que a gente acredita saber, mas, na prática, só ouviu falar.

A reportagem que a Tribuna publica hoje é assim. Fez com que eu mergulhasse em narrativas muito distantes da minha rotina. Durante três semanas,  convivi com situações dolorosas, mas surpreendentemente ricas de ensinamento.  Os depoimentos derrubam a tese reinante de que o mundo é guiado por fronteiras econômicas, raciais e sociais, porque mostram que há algo capaz de ultrapassar todas essas divisas: a doença. Quando síndromes raras se instalam no cotidiano das famílias, não há maior ou menor sofrimento, nem dinheiro suficiente capaz de reverter danos, apenas garantir mais conforto. Os quadros irreversíveis machucam mais do que outros, porque, além da iminente sensação de perda, eles nos levam a refletir sobre nós mesmos, nossas crenças, nossas escolhas e também sobre a nossa relação com quem adoece. Diante da aparente terminalidade, as pessoas pensam muito mais na vida e também na passagem que é a morte.

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E foi me equilibrando entre a linha tênue da saúde e da doença – junto a indivíduos que antes tinham capacidade plena e hoje não conseguem suprir suas necessidades básicas -,  que eu encontrei personagens cujos exemplos de superação impressionam. A advogada Leide Moreira é uma delas. Faz parte do grupo formado por cerca de 12 mil brasileiros que sofrem de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Ainda sem cura, a ELA causa comprometimento dos neurônios motores e resulta em perda contínua dos movimentos, mantendo, porém, a plena consciência.

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No caso de Leide, que hoje só movimenta os olhos, ela usou seus conhecimentos profissionais para garantir o direito de, mesmo imobilizada na cama, sair de casa para assistir a espetáculos ou simplesmente ver as ruas enfeitadas na época do Natal. Inicialmente, a cliente foi rejeitada por várias casas de shows paulistas que não queriam o incômodo de ter uma paciente considerada terminal em meio a uma plateia saudável e feliz. Na certa, a imagem dela destoaria da beleza do evento. É como se Leide fosse reduzida a coisa, embora ainda esteja viva e cheia de esperança.

Essa e outras histórias me fizeram refletir sobre o valor de uma existência. Do que somos feitos? De entendimento sobre o cuidado com o outro ou de um permanente desinteresse por aqueles que não podem mais produzir e, por isso,tornam-se descartáveis? Quais são os espaços destinados na sociedade para os idosos, as pessoas com necessidades especiais, com problemas físicos ou mentais? A invisibilidade imposta aos considerados indesejáveis é a forma mais covarde de nos protegermos da nossa incapacidade de amar e de incluir. Não nos iludamos. Essa indiferença tem roubado de nós o sentido de humanidade.

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