Caríssimo Enoleitor:
Como você já deve ter reparado, os vinhos possuem estilos e colorações variados. As cores mais comuns e que determinam três classes bem definidas de vinhos são: branco, rosê e tinto (este último, em alguns idiomas, é denominado “vermelho” – red, rouge, rosso).
Cada um desses tipos de vinhos possui características únicas, que não se restringem, obviamente, à cor. Os predicados que definem e dão personalidades distintas aos vinhos, incluindo cor, aroma, sabor, estrutura, dentre outros, são diretamente influenciados pelo processo de produção – em especial, pela técnica de fermentação utilizada.
Hoje vou te explicar, de uma forma bem simples, de onde surgem as cores dos vinhos. Para isso, tenho que começar pelo processo de fermentação, que é o fenômeno químico responsável pela “transformação” do suco de uva em uma bebida alcóolica, o vinho.
O Processo da Fermentação Alcoólica
A produção de uma garrafa de vinho inicia-se no vinhedo, com o plantio cuidadoso das uvas, passando por todas as etapas de trabalho no campo até a colheita.
Colhidas, as uvas são então transportadas para a cantina (nome das instalações onde se encontram os maquinários, os tanques de fermentação etc., de uma vinícola).
Na cantina, os bagos são esmagados para a extração do mosto, ou seja, do suco da uva. O mosto contém açúcares que, durante o processo de fermentação, servem de “alimento” para determinadas espécies de fungo, as leveduras. Enquanto consomem o açúcar, as leveduras produzem álcool etílico e promovem a liberação de dois subprodutos: calor e dióxido de carbono.
Saiba que as leveduras são encontradas, principalmente, na casca das uvas. Contudo, para maior controle do resultado do processo, normalmente elas são previamente selecionadas e adicionadas ao mosto.
Vinho tinto, vinho branco e vinho rosê: de onde vem a cor do vinho?
– Vinho Tinto:
Para a produção de um vinho tinto, são utilizadas variedades de cascas escuras, arroxeadas, pois é na casca que se encontram os pigmentos que dão cor ao vinho. São castas tintas a cabernet sauvignon, a merlot, a tannat, a malbec, dentre outras.
Após a retirada dos engaços e talos, as uvas são esmagadas (prensadas) para que liberem o suco. Este mosto (suco + cascas) é deixado em maceração, isto é, permanece em contato com as cascas, antes da fermentação, para que cor, taninos e compostos aromáticos sejam transferidos da casca para o líquido.
Findo o tempo de maceração, que varia de acordo com o tipo da uva e com o estilo de vinho pretendido pelo enólogo, a fermentação do mosto é provocada. Entram em ação as leveduras, que consomem os açúcares do mosto, transformando o suco em vinho. Terminada a fermentação, as cascas são retiradas do líquido, que segue para a próxima etapa de produção.
– Vinho Branco:
Para a produção de um vinho branco, normalmente são utilizadas uvas brancas, como a chardonnay, a sauvignon blanc, a alvarinho, dentre outras. Contudo, lembre-se que é a casca da uva que transmite a cor para o vinho.
A parte interna do bago é levemente esverdeada, quase icolor. Desta forma, é possível e bastante comum a utilização de uvas de cascas escuras para a produção de vinhos brancos.
Já viu escrito em algum rótulo a expressão “blanc de noirs”? Pois significa “branco de pretas”, literalmente – uma alusão ao fato de que foram utilizadas apenas uvas tintas na produção daquele vinho branco.
O que ocorre é que, ao contrário dos vinhos tintos, a fermentação dos vinhos brancos não acontece com a participação das cascas ou há um período muito pequeno de contato das cascas com o líquido antes da fermentação. Ou seja, não há tempo suficiente de contato para que sejam extraídos pigmentos de cor.
Antes de submeter o suco à ação das leveduras de fermentação, as uvas são desengaçadas, prensadas levemente e suas cascas são retiradas. Assim, o suco que se transforma em vinho permanece clarinho, naquele tom esverdeado/amarelado que encontramos na taça.
Também é por conta deste processo mais sutil que os aromas e sabores dos vinhos brancos são mais frescos e delicados.
Uma informação importante: as temperaturas de fermentação são bastante diferentes para cada tipo de vinho (mais elevadas para tintos, mais baixas para brancos) e também exercem muita influência no frescor e nos aromas finais dos vinhos.
– Vinho Rosê:
O vinho rosê talvez seja o mais difícil de ser produzido. A cor rosada é obtida a partir de um contato breve das cascas escuras das uvas com o mosto, durante a fermentação. Cabe ao enólogo interferir e retirar as cascas no momento em que o líquido atinge e coloração desejada, que varia de rosa/salmão pálido a rosa intenso.
As temperaturas de fermentação dos rosês precisam ser minuciosamente controladas, para que o vinho ganhe em estrutura de frutas e taninos (como um tinto) e mantenha o frescor (como um branco).
Menos comum é a obtenção da tonalidade rosada misturando-se um vinho tinto com um branco. Lograr a produção de um rosê de qualidade requer muita habilidade dos enólogos e dos agrônomos. E claro, um empurrãozinho da natureza.
Em resumo, em se tratando da diversidade de cores que encontramos nos vinhos, vimos que os especialistas lançam mão de variadas técnicas de fermentação, para as inúmeras castas existentes, tendo como pilar o tempo de contato das cascas das uvas com o mosto.
Ok, é claro que o processo completo de produção de um vinho envolve vários outros fatores, que inclusive, interferem na sua cor final. Até mesmo o local onde a uva é plantada faz diferença. O importante é que você utilize aqui o mesmo conceito das aulas de física: considere a gravidade zero para efeitos de cálculo (é uma metáfora, por favor!).
Outro detalhe: estou me referindo às cores dos vinhos que estão nas prateleiras do mercado, ou seja, vinhos jovens ou razoavelmente jovens. Os vinhos possuem um tempo de vida e, à medida que envelhecem, eles mudam de cor. Um vinho branco evoluído já não apresenta mais a coloração esverdeada. Um vinho tinto evoluído apresenta uma tez desgastada, cansada… assim como nós, com o avançar dos anos.
Para os profissionais da área, analisar a tonalidade do vinho é uma habilidade necessária, haja visto que a coloração nos fornece dados importantes sobre o DNA da bebida, como a sua idade, a casta que a originou, o seu estilo, a técnica de fermentação a que foi submetida, etc. É, são muitas nuances.
Mas o importante é que você pegou a ideia geral da coisa e já pode dar uma aulinha para os amigos no próximo rolê da turma, concorda?
Então desfrute e divirta-se com as mais variadas cores e sabores de vinhos!
Saúde e até a próxima!!