Sempre tive aversão aos números, desde minhas lembranças mais remotas. Quando bem criança, lá pelos seis, um imperativo me soava como condenação: “Arme, efetue, e tire a prova real”. Dramática que sempre fui, lembro-me de debruçar sobre o caderno aos prantos, questionando minha existência e a das contas, nos ouvidos de minha santa e paciente mãe, Dona Silvia: “Mas por queeeee eu tenho que fazer a conta ao contráriooooooo?” Minha mãe, que por sinal também nunca foi lá muito chegada às contas, respondia, sem falsas promessas sobre a utilidade da operação: “Tem que aprender, Julinha.” Assim, fui crescendo e aprendendo a engolir outros pavores: álgebra, geometria, trigonometria e todos os seus diversos afluentes. Hoje, adulta, fiz birra e questão de esquecer-me de quase tudo, contando até meu troco na ponta dos dedos. Assim, literalmente, faço justiça diária com as próprias mãos, contra anos de assédio dos famigerados números.
Quando paramos para pensar, mesmo nestas pequenezas da vida, fica parecendo que a peneira do tempo só retém as injustiças, intolerâncias, violências e dores do mundo, tão visíveis a olho nu sejam gigantescas ou tão pequenas quanto um dever de matemática. Mas o amor, nem sempre perceptível, fica ali, meio mineiro, meio na espreita, e sempre dá um jeito de “garrar” na rede que coa o passar dos anos, mesmo que a gente não veja. Em alguns raros momentos, o pote chega a transbordar e, felizmente, a gente só vê amor, apesar de tudo que nos suga a fé nas pessoas e em dias melhores.
Meu coração se partiu em incontáveis pedaços na última semana, ao saber da morte do Paulinho, de apenas 6 anos, depois de uma longa luta contra a leucemia. Mas pensei, instantes depois, que sua brevíssima passagem por nosso agridoce mundo foi uma peneira cheinha de amor, até não caber mais. #JuntospeloPaulinho, nós, completos desconhecidos, vibramos com cada conquista: a compatibilidade de transplante, o sucesso da cirurgia, o retorno a Juiz de Fora. Por ele, outros tantos milhares estenderam o braço e se cadastraram no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), aumentando as chances de que mais gente tenha armas pra lutar pela própria vida. Pelo Paulinho, ainda juntos, perdemos nesta semana um tanto de nosso sorriso, e em dias mais doídos, até um bom punhado de nossa fé.
Ao contrário do que acontece nas ciências exatas, na vida nem sempre a conta fecha. Mas é preciso, ainda assim, insistir no cálculo ao contrário. Mais do que qualquer Nobel da matemática, Paulinho ensinou a milhares de pessoas, em seus abreviados 6 anos, a verdadeira utilidade da prova real na vida cotidiana: inverter papéis, tentar ver e sentir o mundo pelos olhos e sentimentos do outro, para bem e para mal. Ainda que, no fim das contas, seja para dividir, de forma desigual, uma parcela ínfima da dor perene de quem passará, agora, a viver sem ele por perto. Obrigada, pequeno professor.