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Pode ser?

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Cara Pepsi,

Gostaria de agradecer pelo comercial com a volta dos limões à publicidade da marca, que a gente não via desde o início dos anos 2000, quando vocês tentaram emplacar a Pepsi Twist – mas sorry, não colou. Achei genial usar as frutas falantes para mandar a real dos dias atuais: “não pode isso, não pode aquilo”, e tudo que a gente diz “pode deixar alguém ofendido”, porque as pessoas “estão muito sensíveis”. É a maldição do “politicamente correto”. Faço coro com os limõezinhos, Pepsi: o mundo tá muito chato.

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É um saco que meu maior medo, ao sair de casa, não seja ser assaltada, ou atropelada, e sim ser violentada ou assediada – física, verbal, sexual ou moralmente -, pelo simples fato de ser mulher. Também é fastidioso falar sobre isso e ouvir as réplicas: “mas homem também sofre violência”, “lá vem a mulherada com o vitimismo” ou o clássico “mas tem mulher que pede”. Não pede, Pepsi, e vou te falar: viver no país em que uma mulher é morta a cada 90 minutos (Ipea/2013), me ofende, me sensibiliza e me envergonha, além de ser sim, muito chato!

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Também é sacal saber que neste ano, mesmo antes do primeiro mês se encerrar, 56 mulheres trans já foram assassinadas no Brasil, além do aporrinhante fato de que, a cada uma hora, um gay sofre violência por aqui (Secretaria Nacional de Direitos Humanos, 2014). É enfadonho, Pepsi, ver na Câmara dos Deputados um cara que defende disparates como “cura gay”, exalta a ditadura militar e diz a outra parlamentar, mulher: “não te estupro porque você não merece”. E sabe o que é mais mala? Existir gente que aplaude.

Não posso dizer por mim, mas acredito que seja bem chato nascer preto ou preta no Brasil. E desde menino, ouvir dos pais: “não corre na rua, senão vão achar que é ladrão”. E desde menina, ser tachada como “empregada” ou “mulata tipo exportação”. Ou ambos. E desde sempre ter o olhar torto de seguranças e vigias em lojas e supermercados por trás dos ombros. Do auge da minha branquice de classe média, acho que deve sim, ser uma chateação, né Pepsi? Mas não sou preta, nunca fui acusada de “roubar as vagas” de alguém na universidade, não posso afirmar com certeza.

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Ai, Pepsi, também dá preguiça de ver que, em pleno 2016, quando boa parte das marcas tenta se associar a mensagens positivas e de combate a qualquer tipo de preconceito, ainda existem produtos que são palanque ao discurso de quem oprime – e sempre oprimiu – ileso. E o pior: achando engraçado.

Por fim, mas não menos importante, também é muito chato chato mesmo, insuportável,  em um dia de calor senegalês ou em uma manhã de ressaca, ir a uma lanchonete ou padaria, pedir uma Coca trincando de gelada (de preferência, de garrafa de vidro) e o atendente soltar, já meio sem graça: “Só tem Pepsi, pode ser?”.

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