“O mundo de Sofia” é um dos livros que mais amo, em uma longa lista. Contraditoriamente, e por isso mesmo, nunca terminei de lê-lo. Faltam, há cerca de dez anos, umas 20 páginas para que eu acabe, mas nem passa pela minha cabeça fazê-lo. Dentre as coisas mais dolorosas pelas quais temos que passar, dizer adeus, certamente, está na lista da maioria das pessoas. Não somos programados, educados ou acostumados a nos despedir: das coisas, pessoas, lugares, sentimentos, ou hábitos – bons ou ruins. Ao contrário, passamos a vida ouvindo que, com o tempo, teremos e seremos “mais”: maiores, mais sábios, com mais amigos, mais dinheiro, mais experiência. Mais.
Nem tentem me convencer de que, na contramão desta lógica em que somos criados, existem aqueles que são adeptos do desapego, do viver com menos. Aplaudo de pé quem é evoluído o suficiente para abrir mão de confortos, de posses, e até do convívio das pessoas amadas, porque, para mim, é extremamente difícil jogar até bilhetes fora. Mas não caio nesse papo de que essas pessoas são mais desapegadas. No fundo, estamos todos buscando acumular: posses, afeto, histórias para contar, carimbos no passaporte, momentos, sorrisos, tempo.
Queremos mais, e talvez por isso mesmo o golpe da despedida seja sempre tão pungente. Porque não importa que o adeus tenha data e, em alguns casos, até local para acontecer, o golpe será sempre brusco, cru, devastador.Talvez seja por isso que aeroportos, rodoviárias e cemitérios sejam campos minados de sentimentos, prontos para explodir em gás lacrimogêneo liquefeito por nossos olhos.
Ao longo de meus 30 anos, a cultura pop ilustrou diversos momentos da minha dificuldade em dizer tchau. Como os Beatles, já entrei em negação: “Não sei porque você diz ‘goodbye’, eu digo ‘hello’. Tive meus momentos de drama queen com a queen-mór, Madonna: “não há maior poder que o do adeus'”. “Chorei um pouco”, “morri um pouco”, como Cole Porter, imortalizado no timbre da Ella Fitzgerald em “Everytime I say goodbye”. Mandei a real, como Bob Dylan : “Você vai me deixar só quando se for”. Também esbravejei, me descabelei, sofri quietinha ou aceitei o aceno resignada, sempre com os versos musicados de outrem.
Adulta e mais conhecedora de mim mesma, sei hoje que jamais terminarei de ler “O Mundo de Sofia” porque, como prega o cancioneiro sertanejo nacional em gramática ruim, “não aprendi dizer adeus”. E como o agudo Leonardo que entoa as palavras, abraço as inevitáveis despedidas que me cruzarão a vida, com a pontinha de esperança que nos permite ir em frente: “Se tens que me deixar/que seja, então, feliz.”