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Cultura hétero

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Tal qual a mão invisível do capitalismo, a boca invisível da internet ora se ocupa de questões seríssimas, ora de absolutas bobagens e algumas vezes fica no meio do caminho. Há algum tempo já, vejo a piada sobre “cultura hétero” nas redes sociais.

Para quem é off-line, explico:  seria uma série de hábitos, imagens, gostos e referências que se referem a um universo associado à heterossexualidade, sobretudo a masculina. Assim, a gente vê gracejos como “combo de whisky com energético é cultura hétero”,“sapatênis é cultura hétero”,“rodízio de pizza é cultura hétero”, e outras iconografias das quais  muitas vezes – perdão – não discordo, mas também não dou atenção, e às vezes dou até risada. Nada contra homem hétero, gosto tanto que até namoro um.

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Veja bem, estudo e defendo um mundo onde nosso gênero e nossos afetos são definidos por nada além de nós, para além das simbologias que tentam costurar no que vestimos, gostamos e fazemos. Assim, é impossível que algum objeto ou hábito seja capaz de imprimir sexualidade. Por isso mesmo, a raiva em ver a piada com qualquer coisa que seja tachada como “cultura hétero”, justamente pelos héteros (!!!), me funde os miolos. E normalmente de quem não perde a chance de nomear pejorativamente issos ou aquilos como coisas “de viado”, “de traveco”, “de mulherzinha”,  “de pobre”,  ” de preto”.

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Talvez venha do pavor absoluto em se ver tachado como “outro”, lugar ao qual estão acostumados a relegar todos diferentes de si: gays, mulheres, pessoas com deficiência,  pessoas trans e quaisquer que Narciso não veja no espelho. É também daí que surgem idiotices como “racismo reverso”, “heterofobia”, “cisfobia”, “feminazi” e outros termos vazios de sentido, já que sua existência é, na prática, impossível.

Vivemos numa sociedade em que “homem” é usado como sinônimo da humanidade como um todo. Em que ninguém precisa “se assumir” heterossexual. Em que “se nasce” mulher ou homem, mas “se vira” trans. Em que as pessoas afirmam não serem racistas porque “aceitam o diferente”. Diferente de quem? Quem estabeleceu o padrão?

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Esse medo profundo de ser a piada e perder o trono de seus privilégios, sob risco de ser subjugado às opressões que não hesita em exercer – ou, ao mínimo, das quais se beneficia… é muito cultura hétero.

 

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