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Todas as Júlias possíveis

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Numa tarde de sábado escaldante na minha Três Rios, em que os termômetros marcavam 44 graus (sei que mentem, mas acreditei muito neles neste dia), fui me encontrar com meu amigo de longa data, Diogo Tinoco, e um de curta data, mas longo afeto, Rodrigo. Como é de costume quando estamos com gente querida que ficamos muito tempo sem ver, o papo rendeu e foi desde “o que você tá arrumando” até “estou com muito medo do Bolsonoaro”, passando por reclamações da vida e de gente chata, confidências e também por risadas sem fim e elogios rasgados.

Cerveja vai, cerveja vem (no calor então, vem que é uma beleza), caímos numa conversa sobre Três Rios e como muita gente da nossa geração estava casado, com filhos, enfim, seguindo o curso da vida de maneira diversa que nós três. Numa dessas, o Diogo mandou, meio que rindo:

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-“Imagina você, Júlia, morando em Três Rios, esposa e mãe?”
– “Sabe que eu acho que seria feliz?”, respondi
– “Sério?”, perguntou um estarrecido Rodrigo.

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Passada a surpresa – até minha – da minha resposta, a conversa seguiu. Talvez eu encontrasse mesmo esta realização na minha terrinha, casada, com filhos, e com uma correria que é diferente da minha: de dois empregos, comendo quando dá, como dá, e, sim, podendo me dar a luxos que quem tem criança rebola para conseguir. Viagens a dois, a cervejinha que eu estava tomando com os meninos, prioridades na carreira…Acho que poderia, sim, ser realizada vivendo o oposto disso, mas porque eu seria outra pessoa, com vivências diferentes, e que, por isso mesmo, encontra a felicidade de outra forma. Uma outra Júlia, completamente outra. Pelo menos nesta altura da vida.

Os meninos concordaram. E pensamos muito sobre isso, sobre como a vida poderia ser completamente diferente se tivéssemos nos tornado outras pessoas. É um assunto que me instiga há tempos, anos, para ser sincera. Como eu seria se não tivesse feito faculdade em uma cidade como Juiz de Fora? Quem eu seria se tivesse me formado e me mudado para um grande centro? E se eu tivesse voltado para Três Rios? Que mãe eu seria se tivesse tido filhos cedo? E se eu não tivesse crescido na família que cresci?

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Frequentemente flagro-me pensando nos vários “eus” que poderiam ter existido, por diversão, mas acabo sempre bem feliz em ser a que me tornei – mesmo que cheia de defeitos. No fim, concluo que a vida poderia ter me feito incontáveis Júlias diferentes da que sou. Mas tenho certeza absoluta de que todas estariam, como a “eu” de agora, morrendo de medo do futuro deste país em que nossos direitos são esmagados diariamente por uma turma que se vende fácil e, descaradamente, a quem mete atestado suspeito em dia de trabalho.

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