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Sobre tempos e estrangeirismos

julia coluna
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O tempo e sua relatividade – assim como sua implacabilidade – sempre me inquietarão. Na verdade, o pobre passar dos segundos nada tem a ver com o que a gente pensa naqueles dias arrastados e que parecem não ter fim, tampouco tem culpa quando olhamos para crianças que amamos e percebemos como as pernas cresceram muito mais depressa do que gostaríamos. Mas me encanta ver como alguns referenciais são capazes de bagunçar toda nossa percepção temporal, fazendo com que a gente se encontre, ainda que muito brevemente, por um lapso, em outras épocas da vida.

Explico. Começou tudo quando comprei, na última semana, um perfume que usava uns dez anos atrás. Imediatamente me lembrei da época em que o usava, de lugares onde estive, daquele cheiro me acompanhando por 2008 afora. Era começo da minha vida adulta, o fim da faculdade, o medo e a sede de viver o que viria pela frente. Um friozinho bom na barriga, que senti de novo na primeira borrifada. Como se não fosse suficiente, a minha primeiríssima amiga de faculdade (nos conhecemos no ônibus, indo tomar o mesmo trote), Fefê, que se mudou de Juiz de Fora há quase dois anos, passou a semana na cidade, saudosa dos sabores e caminhos que fez durante os quase 15 anos que morou por aqui.

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Foi só comer a primeira ponta de torresmo do Bigode que me lembrei de quando a gente era estudante, juntava os trocados para pedir a porção, um luxo para nossas modestas carteiras, enquanto contemplávamos um saudoso painel pintado na parede, uma fazenda, que tinha uma porca maior que o motoboy (montado no veículo) que transportava os torresmos – a gente amava. Passando por entre os postes acesos na noite do Calçadão, reconhecemos uma vendedora de camisas indianas que tem uma banca no mesmo lugar desde que nós duas passamos por uma fase em que as comprávamos, de várias cores. (Devo ter alguma guardada até hoje).

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O fígado com jiló do Abílio, na primeira provinha, me lembrou do refúgio que encontrávamos das rotinas, dos boletos e dos problemas “classe média sofre”, típico de duas jovens adultas privilegiadas sim, mas nem por isso menos reclamonas ou livres de microperrengues e pequenas amarguras. Já o quibe do Bar do Abud tinha um sabor agridoce, de muitos dos nossos encontros e de algumas das despedidas dela por aqui. Rio Branco e Independência (desculpem-me pela teimosia) são constantes. Duas largas vias que cruzávamos diariamente, que viram nosso melhor e nosso pior, e que talvez tenham, de certa forma, nos guiado pelos caminhos que nos trouxeram até o presente, com todos os acidentes, sinais de “pare”, traffic calmings e obras necessárias.

Não raramente, durante nossas andanças, esbarramos em pessoas queridas, bem à moda Juiz de Fora, por acaso – o que pode ser um presente ou uma lástima, depende de quem se encontra, é roleta russa. Mas especialmente nestes dias, só caímos em abraços apertados e saudosos. “Só essa cidade permite isso”, dizia a agora forasteira Fefê, morrendo de amores pelo São Mateus afora.

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Em todos estes tempos pelos quais passeei nesta semana, eu fui muito, muito feliz – não sem poréns, claro. Mas como o Caetano de “o Estrangeiro”, a rotina faz com que a gente se desapegue da cidade que existe em nossa memória afetiva, cegos “de tanto vê-la”. Eu sei que, na prática, só existe um tempo: o hoje. Jamais desejaria que os ponteiros voltassem para reviver quaisquer de meus ontens. Mas eu espero sinceramente que tenhamos sempre a possibilidade de encontramos cheiros, sabores, ruas e pessoas que nos levem temporariamente a passados que nos façam sorrir.

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