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Genocídio

julia pessoa coluna 1
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A esta altura do campeonato, é de uma grande desonestidade, com requintes de maldade, teimar no argumento delirante de que “todas as vidas importam”. É óbvio que, pelas palavras da Constituição, pelo mínimo de humanidade que se deve presumir das pessoas e por qualquer interpretação da palavra “justiça”, é assim que deveria ser: absolutamente todas as vidas importam.

Mas na prática, vemos todos os dias que há vidas tomadas como absolutamente descartáveis e tidas, no máximo, como “dano colateral” de ações institucionais pretensa e falsamente em nome da segurança. Segurança de quem? Contra que mal maior que um extermínio planejado e sistemático de uma mesma população?

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De bala encontrada, asfixia em mala de carro oficial ou porrada uniformizada, de tempos em tempos o massacre sistemático de pessoas negras escandaliza e revolta quando é exposto no noticiário. Inclusive as pessoas brancas e privilegiadas como eu, seguramente imunes não contra fatalidades ou a violência, mas de extermínio racista, apenas pela existência na própria condição.

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Sabemos que o que vai para a mídia é somente a ponta finíssima, feito agulha de insulina, de um iceberg nefasto e profundo de abatimento histórico e racial. E mesmo assim, o assassinato de pessoas pretas continua sempre na mídia, em casos que não são isolados nem pela exceção da exposição, quanto mais na materialidade dos que ficam ocultos do olho público.

Volto sempre a uma questão que não se cansa de me perturbar: no Brasil não há metáfora ou força de expressão, apenas a força bruta. Quando se fala em genocídio negro, não se trata de um esforço retórico ou uma hipérbole. Está tudo acontecendo diante dos nossos olhos, sem o menor esforço de ocultação.

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Autora de “Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro” (2008), a advogada e pesquisadora negra Ana Luiza Pereira Flauzina crava  devidamente como  se deve começar qualquer debate em torno da violência histórica do Estado (que deságua em muitas outras) contra a negritude brasileira. “Minha tarefa não é justificar o genocídio, sua existência é meu ponto de partida”.

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