Vez ou outra, recobro minha tão maculada fé na humanidade. Nestes tempos tecnológicos em que áudios de ligações vazados revelam facetas podres das quais já sabíamos, mas não esperávamos ver confirmadas tão cruamente, ficar alguns dias completamente desconectada de celular, televisão e qualquer meio de informação é um presente. Fui contemplada recentemente com tal pacote, passando um fim de semana prolongado na nossa charmosa vizinha Ibitipoca.
Por si só, o ato de subir aquela serra, desafiando qualquer carro que não seja 4×4, já me renova, me desliga de tudo que causa gastura e dá gás para que a vida continue, apesar de seus inevitáveis tropeços. Mas, desta última vez, tomamos o caminho morro acima para o casamento de amigos queridos, sob os olhares (alguns, como o meu, um tanto marejados) de outros igualmente queridos, a maioria de um tempo em que a vida podia ser menos séria, menos oficial, e menos taxável em horas úteis. E tudo em um cenário tão lindo e tão ridiculamente simples, e um frio que teimou em se esconder de Ibitipoca, onde normalmente faz morada.
Sempre achei cafona dizerem que casamentos são a celebração do amor. Até porque com tantos modismos da indústria casamenteira – quem já esteve, está ou estará sob suas garras sabe -, acreditava que os festejos do sentimento acabavam ficando respingados por uma certa formalidade, um certo cronograma a ser seguido e, sem dúvida, para os noivos, boletos infinitos a serem pagos. Ledo engano.
Ali, no meio do mato, me despi de minha rabugice, e descobri que o que se celebra, de fato, nestes eventos de terno, véu e grinalda, é muito mais do que o amor daqueles que os trajam no altar. É cada gotinha de história que os levou até lá, por meio daquela gente que também ali está, maquiada e engravatada – ou não: a família mais próxima, que acompanha os passos desde criança; a parentada distante, que mesmo assim faz questão de honrar o casório, afinal, “é a filha – ou filho – da (o) fulana (o)”; os amigos, que em certa fase da vida tornam-se uma espécie de família; colegas de trabalho; chefes; crianças; e mesmo quem ganha um convite só pelo protocolo: é um grande quebra-cabeça de amor, com muitas peças, e construído ao longo da vida. Há que se celebrar mesmo.
Lá nas montanhas, eu, chorona que sou, já derramei a primeira lágrima (que não foi só uma, mas deixemos assim, por minha dignidade) quando meu amigo se encaminhou ao altar com o pai, sob os versos dos Novos Baianos, que iam fazendo cada vez mais mais sentido: “Não se assuste pessoa/ se eu lhe disser que a vida é boa/ Enquanto eles se batem, dê um rolê”. Pensei nesta desesperança que assola o país; olhei para todo mundo que me cercava; vi Felipe e Mari debaixo da árvore de onde sairiam casados. Tirei uma foto com meu celular, e lembrei que não tinha sinal, nem internet. Fiquei aliviada. Ali, naquele dia, naquele momento exato, não importava que o bicho estivesse pegando porteira afora, o quanto “eles se batessem” durante nosso “rolê” montanhês. Só tinha uma certeza (certamente dividida com quem pisava a mesma grama que eu), e antes que eu pudesse expressá-la, os Novos Baianos eram psicografados pela banda: “Eu sou amor da cabeça aos pés”.