Ícone do site Tribuna de Minas

Não é a mamãe!

Toda vez que converso com a minha avó escuto: “E quando vem meu bisneto?”. Sempre me esquivo, e rebato com um “Qualquer hora dessas” para evitar alongar a prosa, que sei que é de boa intenção. Não só dela, mas de várias outras pessoas,ouço a tréplica: “Não pode ter filho muito velha, senão não vai ter paciência nem disposição.” Invocadinha que sou, tendo a ouvir a afirmação de ovo virado – ainda que com um sorriso amarelo. Ainda nem fiz meus 30 , sou impaciente desde que nasci (a idade tem até ajudado a melhorar isso) e hoje sou muito mais disposta a coisas que me davam preguiça infinita quando era “xófem”.
Não sei quando e se, de fato, terei filhos. Nunca fiz os exames específicos para saber se está tudo certo biologicamente para que isso aconteça, e nunca me sentei com Renato para planejarmos a vinda de um rebento na prática. Sinto pontadas no útero a cada criança fofa que vejo na rua – ou nos feeds de Facebooks alheios -, querendo engravidar imediatamente. Também reviro os olhos  para os inevitáveis pitis em supermercados e restaurantes, jurando que filho bom é o dos outros – e mesmo assim nem sempre. Sei que a vida não é feita só de fofurices e nem de chororôs públicos, claro. Incomoda é a visão generalizada de que a vida só tem sentido depois que se tem a própria prole, peso que recai principalmente sobre as mulheres.
“Mlher só é plenamente feliz quando é mãe”, ” A maternidade faz qualquer mulher melhor”, e por aí vai. Não quero delegar a meus filhos, quando e se os tiver, todo o fardo da minha felicidade. Todas as pessoas deste mundo têm suas complexidades, suas várias facetas, seus sonhos, seus objetivos. Acreditar que a maternidade pode suprir todos eles, ou pior, definir sozinha qualquer mulher, passando por cima de todas estas particularidades, é, no mínimo, extremamente reducionista (para não entrar em discussões sobre machismo e deus tantos e tão cruéis desdobramentos). Quanto a transformar as pessoas, tenho certeza de que sim. Ter um filho muda a rotina, a casa, as finanças, as prioridades. Vejo, diariamente, mulheres que se tornaram pessoas melhores depois de terem filhos sim. Mas também vejo outras cometendo crimes hediondos, como assassinato e pedofilia, mesmo tendo sua prole em casa.Não façamos da maternidade um rótulo, por favor.
Embora eu saiba de seu desejo de ser avó, minha mãe nunca me apontou o ponteiro do relógio correndo e disse: “Júlia, cadê meu neto? Tá na hora!”. Talvez porque ela mesma não tenha cedido à pressão do tique-taque, tendo esta rebenta quando tinha seus 30 anos, coisa um tanto “muderna” há exatos 30 anos. E talvez também seja por isso que, em um futuro que eu não sei precisar ou garantir que aconteça, quando tiver meus filhos, saberei que meu aprimoramento pessoal não dependeu de seu nascimento, nas seguiu o rumo inverso. Tornei-me automaticamente melhor – ainda que seja tão cheia de defeitos -no momento em que nasci, por chamar a quem chamo de “mãe”.
Sair da versão mobile