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Sujeita de sorte

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Eu reclamo muito da vida. Reconheço que não tenho do que me queixar: não passo dificuldade, tenho uma família incrível, não padeço de doenças, sofri poucas grandes perdas, exerço a profissão que amo, posso me proporcionar alguns luxos. Este amargorzinho de reclamar de pequenezas cotidianas é, de certa forma, parte da minha personalidade, já semirrabugenta e sarcástica em condições normais de temperatura e pressão. Acho que todo mundo é um pouco assim, até porque felicidade e #gratidão o tempo todo a gente sabe que só tem no feed do Instagram.

Frequentemente, eu e meus amigos entramos em uns papos lazarentos no botequim. São as viagens que a gente queria fazer e não tem grana; a grana que a gente gasta com bobagem; a grana que falta porque não tem mesmo; nossa incapacidade de planejamento pra quase tudo; os malas que a gente tem que aguentar; as tarefas que a gente tem que fazer… a vida adulta sendo vida adulta, apenas. Não que a gente fique se lamuriando, mas a reclamação conjunta dá um senso de pertencimento, como se alguém soprasse reconfortantemente em nossos ouvidos: podemos estar atolados num poço de esterco, mas estamos juntos. Ufa!

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Dia desses meu amigo Zé disse: “Júlia, nós somos muito ferrados, ‘cê não acha, não?”. Concordei mentalmente, mas quis tirar a prova dos nove: “De dinheiro, Zé?”. Ele balançou a cabeça que sim. E até pensei em como somos pés-rapados mesmo. Só que fui logo interrompida, antes que falasse, por alguma banalidade que alguém disse à mesa e nos matou de rir. Foi aí que clichemente respondi ao Zé, com uma frase cheirando a textão: “Cara, tem gente muito mais rico que nós que não tem isto aqui.” Ele sorriu, concordou e continuamos rindo de outras besteiras. De doer as bochechas.

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Perdão pelo lugar-comum, pela pieguice e pela cafonice. Pode ser que eu esteja ficando velha e abobada mesmo. Mas tenho pensado cada vez mais em como os amigos são um antídoto contra todos os nossos pequenos azedumes do dia a dia. Sempre que corro o dedo pelo meu feed do WhatsApp, vejo suas carinhas como um álbum de figurinhas no Facebook ou tenho o (cada vez mais) raro prazer de abraçar meus amigos, minha enorme boca automaticamente se contorce em um sorriso. É uma reação involuntária, tal qual acompanhamos o bocejo da doninha sentada a nosso lado no busão.

Talvez eu tenha descoberto a causa de tanta pindaíba e chororô (bom nome de dupla sertaneja). Acho que acertei uma pá de vezes na loteca da amizade, restando nada de fortúnio para a Mega Sena ou uma quininha que fosse. Se existe mesmo essa coisa de sorte, minha cota deve ter estourado e talvez eu vá morrer pobre de marré-marré. (E agora, José?). Mas sã e salva e forte, reclamando ao lado de quem assim me faz.

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