Eu tenho uma mania irritante, e que já dura mais de dez anos, de dizer “Nada mais me surpreende”. Só serve para depois eu engolir cada palavra de tempos em tempos, porque todo dia acontece alguma coisa de cair vocês sabem o quê, vocês sabem de onde. Vivo me estarrecendo com os disparates que a gente vê, lê e ouve por aí. Outro dia mesmo não foi diferente.
Minha tevê estava no “modo abajur”. Sabe quando você deixa ligada e nem está no cômodo? Assim. Até que ouvi um comercial: “Feira de Gestantes…”, lembrei das minhas amigas mães, das grávidas e fui logo pensando, “Ah, bacana”. Mas pensei rápido demais. Mal o locutor acabou de falar gestantes e me solta a bomba fecal: “Com Cantinho do Papai com chope enquanto espera”. Nada contra o chope, nada contra papais, e até nada contra os que querem esperar sem se envolverem com as compras. Cada um sabe de si em sua individualidade.
Mas a premissa de existir um cantinho para o papai esperar enquanto a (futura) mamãe se envolve com as compras do bebê é inaceitável. Antes que me venham com “Mas gestante não pode beber, para com mimimi”, a questão não é beber ou não beber. É preciso parar de achar que as mulheres querem “ser iguais” aos homens. O maldito cantinho, em sua existência, é revoltante, porque, estruturalmente, reproduz a ideia de que um pai não participar da gestação não só é socialmente aceito, como o “guerreiro” merece um chopinho simplesmente por ter ido à feira com a mulher grávida. E em um nível macro, reforça o estereótipo absurdo do “pai quando dá”, que faz o mínimo possível para participar da vida dos filhos e ainda acredita ser um “paizão” , porque “a maioria nem isso”. O Cantinho do Papai é um altar da alienação parental masculina.
Infelizmente, o cantinho dos infernos só está lá porque vivemos em um mundo que ele pode ser criado e anunciado na TV como se não fosse um atentado às mulheres como um todo e, em especial, as mães. Ele só foi criado porque é aceitável socialmente que o papai se inebrie de chopes durante a gestação, as fraldas, a escola, toda criação e a vida de seus filhos. O Cantinho do Papai só existe porque, na realidade, lamentavelmente… o mundo é um enorme Cantinho do Papai.