Meu caro amigo,
Me perdoe, por favor, se não lhe faço uma visita. Mas como agora funcionou o provedor, mando notícias de quem fica. Aqui na terra tão jogando futebol, nem tanto samba, muito choro (do literal, infelizmente não do musical) e sei lá do rock’n’roll, honestamente. Uns dias chove, noutros dias bate sol e, claro, não é à toa que eu começo a escrever nesse plágio descarado de uma das músicas que o Chico compôs na era Geisel. Ver você ter que ir embora foi difícil, principalmente porque, pelo que você se deixa conhecer, você não é de deixar as lutas, as conquistas, o campo de batalha mesmo, que lhe são tão caros na vida, e sei como deve ter doído ter que fazer isso. Mais do que a gente jamais conseguirá imaginar.
Mas sua maior luta, meu caro amigo, se me permite dizer, é se manter, como diria outra canção – que mostra como ‘ainda somos os mesmos e vivemos etc’ – “são, e salvo e forte”. Morremos ano passado. Esse ano você não morre- alguns, infelizmente, vão sim. A história de “ninguém soltar a mão” é muito poética, mas a gente sabe que quando o pau canta, é cada um pro seu lado, e a corda arrebenta em quem está no lado mais fraco e também na vitrine. Como você. Vão te chamar de covarde? Vão. Dizer que sabiam que você abandonaria o barco? Também. Mas nada disso é verdade, eu espero muito que você saiba. Em tempos em que querem que gente que nem nós desapareça (seja pelo meio que for), o autocuidado e o cuidado com quem amamos é uma das formas mais genuínas de resistência. É uma petulância: “Eu vou continuar com minha sanidade mental, seguro, cercado de amor e vivo”. Eles se mordem até os cotovelos. (Pois que arranquem as calças pela cabeça, acho é pouco!).
É muito triste ver que o ritmo em que sua vida vinha, tão lindo, foi interrompido por medo. De ser violado de mil formas possíveis, sei lá, de enlouquecer, de morrer. Porque eles são muitos, né? E agora, neste momento, eles têm tudo. Não dá para viver com medo. A gente precisa de você grande, gigante, como sempre. Tome o tempo que precisar para isso. Tem andado tudo muito difícil sim, beirando o impossível e é tangível o nosso cansaço e a sensação perene de derrota. Mas a gente, que só sabe construir, vai seguindo. “A gente vai se amando que também, sem um carinho, ninguém segura esse rojão.”
Antes que eu volte a plagiar o Chico novamente, queria que você soubesse que você faz falta sim, muita, pra tanta gente que nem dá pra contar. Mas é justamente essa gente que sabe que você precisava ir. E tudo bem. Li ou ouvi em algum lugar uma frase clichezona, mas linda: “é no escuro que os vaga-lumes brilham mais.” Vamos brilhando, mas sem nunca perder as asas. A Marielle manda um beijo para os seus. A todo pessoal, adeus! (olha eu de novo Chicando, parei).
O maior dos abraços.
Julinha de Adelaide