Juiz de Fora, 26 de maio de 2019
Cara “Jifora”,
Já faz tanto tempo que vivemos juntas que ele quase se iguala aos anos em que vivi na minha Três Rios de nascimento, sua vizinha. Envelhecemos juntas, dia a dia. Você viu, antes mesmo que eu, o primeiro fio branco brotar entre os meus castanhos, depois de vê-los completamente negros e em um sem-fim de tonalidades ruivas malsucedidas, bem como sob o efeito das mais variadas manobras de tesoura, da navalha e até da máquina de raspar. Também vejo seus prédios históricos sumindo do horizonte urbano, uns buracos aqui e acolá, o sinal do tempo em suas tantas faces. Não estamos ficando mais jovens, e nem sempre temos o melhor cuidado possível. Mas seguimos juntas. Nosso passo é tão sincronicamente acertado que não é raro que fiquemos invisíveis uma à outra. Até que você, voluntariosa e cansada de ser negligenciada, me aparece com um por-do-sol em mil tons de rosa, azul e alaranjado, só para que eu não me esqueça de alguns dos seus pequenos deslumbres cotidianos. E mais uma vez você me arrebata. Paro onde estiver, por uns microssegundos, e te contemplo antes de continuar meu passo sempre apressado.
Também muitas vezes me senti invisível aos seus olhos. Em toda derrota, cada decepção, cada vez em que andei por várias das suas ruas aos prantos, simplesmente porque certas dores transbordam tanto que pouco importa desaguar em público o que é privado. Mas invariavelmente encontrei em você meu acalanto, um novo caminho, outra resposta, uma perspectiva, a infalível acolhida. Já disse antes, e digo de novo: você não é a cidade dos meus sonhos. Porque em sonhos somos sempre nossa melhor versão, a mais bonita, a mais segura, a mais capaz, a que tem tempo, dinheiro e ânimo para tudo. Na cidade imaginada, tudo é perfeito, e por isso mesmo intangível. Basta acordarmos para que acabe.
Não, Juiz de Fora, você não é a cidade dos meus sonhos. É a cidade da minha vida. É a cidade do real, do palpável. É onde, em cada esquina, há a chance de eu esbarrar em alguém de que gosto muito e ter meu dia transformado. É o lugar em que me tornei adulta, profissional, e entendo um pouco mais sobre o que é ser mulher, pelas minhas vivências e tantas outras diferentes das minhas, pelas quais jamais poderei falar, mas cada dia mais tenho estado atenta a ouvir. Foi também com você que entendi que há uma pluralidade imensa nas maneiras de existir, e que todas são legítimas e devem ser respeitadas inexoravelmente. Porém, também aqui descobri que sempre vai haver quem queira aniquilar tudo que não é um espelho de si. Obrigada por ter me dado tantos espaços para resistir contra isso. Contra esses. Nas suas ruas, suas salas de aula, seus mais variados ambientes, encontrei meus pares. De luta, de trabalho, de vida. De amor. Já devo ter morado em uns seis endereços diferentes desde que cheguei aqui com uma malinha e um comprovante de inscrição Faculdade de Comunicação da UFJF. Mas você, de um jeitinho ou de outro, sempre fez que meu caminho se cruzasse com pessoas que se tornaram e se tornam minha casa. E não há nada mais reconfortante do que sentir-se em casa. Que os sonhos fiquem na cama.
É difícil enfileirar letras endereçadas a você. Eu acreditava ter o hábito de falar comigo mesma, ir traçando meus dias e meus planos enquanto cumpro os afazeres de minha rotina. Hoje sei que nunca estive em um monólogo. Há dezesseis anos, sempre que falo, mesmo quando sem companhia, sei que não estou sozinha. Obrigada por me ouvir, e por me permitir ouvi-la e repercuti-la.
Até todos os dias!
Júlia