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Tique-taque

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Existe um dia, um dia bem específico na vida de todos nós, que pra alguns chega mais tarde, para outros, mais cedo. É quando passamos, literalmente, a ver o tempo. E nunca mais paramos. Alguns sinais são bem óbvios. O cabelo branco que teima em destoar das madeixas com cor; a espreguiçada discreta para alongar a coluna dolorida; o apertar de olhos para ler uma placa, um letreiro de ônibus, uma legenda.

São sintomas não necessariamente ruins, mas que ligam um alarme em nossas caixolas, disparando o alerta ensurdecedor que diz: “você não é mais café-com-leite”. E daí começam os quase sempre injustos autoquestionamentos: “O que eu conquistei com (insira aqui sua idade) anos?”, “Será que ainda vou ter ‘minha grande chance’?”, “Será que um dia eu vou ‘dar certo’?”… Dá para sentir os ponteiros correndo (perdão pela imagem clichê), meio que nos atropelando e empurrando em direção ao que achamos que deveríamos ser a esta altura da vida – e (ainda) não somos.

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Tudo é insuficiente. Não passamos tempo suficiente com nossas famílias; não nos aperfeiçoamos quanto gostaríamos/deveríamos/poderíamos para o mercado; não temos (jamais) dinheiro bastante; não nos divertimos como merecemos; não somos bem-sucedidos como esperávamos; não viajamos tanto quanto sonhamos; não dizemos tudo que precisamos; não valorizamos bastante o que conseguimos; não descansamos de tanta morte na praia. Nada basta. E a culpa é dele, fiadazunha. O tempo, que a gente sempre queria ter mais, que sempre nos dá uma banda com sua pressa, que sempre é cruelmente finito.

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Desculpem-me pela comoção sem nem ter a decência drummondiana de lua e conhaque, e perdão também se pareceu que quis vilanizar o tique-taque diário em desabalada carreira. Ao ver o tempo, quase palpável, também contemplamos pequenas maravilhas normalmente imperceptíveis a olho nu. O abraço invariavelmente prolongado de despedida em nossos pais. O momento em que uma piada interna, um toque, um cafuné, uma mensagem, qualquer meio, fazem a gente parar, olhar pra quem está na outra ponta, e pensar: “Nossa, como eu te amo”. Olhar de soslaio os amigos reunidos, na casa de alguém, num boteco, em qualquer lugar, e ter a convicção: estes serão os meus amigos de toda a vida. Descobrir que alguém que admiramos sente o mesmo por nós.

Ah, muito sacana mesmo este tal de tempo. Sempre na correria, mas quando convém, sabe bem se fazer de estático. Não dá nem pra desgostar do miserável.

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