Todo mundo que conhece alguém que foi (ou é) escoteiro, ou que passou a infância vendo filmes e/ou desenhos em que eles saíam vendendo biscoitos de porta em porta, já deve ter escutado seu lema, “Sempre alerta!”. Em inglês, a expressão original do escotismo é “be prepared”, “esteja preparado”.
Embora eu não tenha qualquer relação com o movimento, fiquei pensando o quanto é imprescindível (embora não menos exaustivos) estarmos sempre alertas, sob o risco de sermos preconceituosos, babacas, coniventes com opressões ou, num plot twist, nos tornarmos vítimas.
Passei quase uma semana viajando, naquele modo “stand by” em que a gente fica quando sai de onde vive e fica ao redor de gente que a gente conhece. Fui visitar cidades históricas, com um triste passado escravocrata e, embora não requeresse muito esforço para ver, fiquei extremamente incomodada ao constatar o quanto a lógica da escravidão ainda está entranhada em nossas relações sociais. Estava na guia turística vestida de mucama e chamando a mim e a todas as outras pessoas brancas de “sinhazinha”, “sinhozinho” e “barão”. Estava na peça de teatro que usava a cultura negra para o entretenimento de brancos turistas de classe média.
Está na nossa história, sim. Mas quantos anos mais veremos isso ser reproduzido “em nome da história” criando novas opressões? Estive atenta sim, mas fraca, ao contrário do que dizem os versos entoados pela galera da Tropicália. Covarde, entubei tudo com um sorriso amarelo, como meus privilégios me permitem fazer. E até agora estou me sentindo cúmplice, opressora, conivente. Uma idiota. Estava alerta, em português, mas não preparada, como prega o lema escoteiro em inglês. Não me preparei para questionar. E passou. Fui omissa.
Ainda assim, o “sempre alerta” é extremamente necessário. Em tempos como os de agora, se baixamos a guarda, arrancam-nos um direito, de supetão. Se olhamos para o lado, metem a bala em quem é mais fraco, e quanto mais fraca for, mais bala. Repetidamente. Se piscamos o olho, por um segundinho que seja, quem já vive de regalias injustas encontra brechas em medidas “legais” (ou nem se dá a este trabalho) para ter ainda mais delas. Acontece todo dia. Basta um descuido, uma escorregada no quiabo, e podemos ser liderados pelo inominável, que acha que gay tem que apanhar, lésbica precisa de pênis para “se corrigir”, que todo mundo tem que ter arma e mulher tem que ganhar menos. Precisamos estar com os escoteiros, mas de forma bilíngue: alertas para o que está acontecendo e o que está por vir, mas preparados para resistir.