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Sobe? Sobe!

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Talvez tenha começado com Fernando, meu parente poeta e português, essa coisa de se sentir tantos em um só. Como ele, em minha sina de Pessôa, venho seguindo bifurcada mesmo nas referências mais mundanas, como a resposta à pergunta: “De onde você é?”. Nasci e fui criada em Três Rios, a cidade que as indústrias descobriram agora e que, segundo a lenda urbana, o mineiríssimo JK teria chamado de “esquina do Brasil”, que sempre será minha casa e meu porto seguro, além de fonte diária de saudades. Entretanto, no auge dos meus 18 aninhos, em meados de um outubro como este – talvez menos climaticamente bipolar -, vim para Juiz de Fora virar jornalista, depois de um longo semestre de espera – entremeado pela greve – para que minhas aulas da UFJF e minha vida adulta começassem (não sem um ainda longo suspiro de adolescência). Assim, a Pessôa que sou hoje deve muito ao que viveu e vive dentro desta terra onde o juiz ficou de fora.

Mais de dez anos depois, vejo que minha juiz-foranização foi um processo gradual. É como se a cada ‘juiz-forice’ que fui incorporando desde que me mudei para cá fizesse subir minha porcentagem de nativa por usucapião, premissa da legislação brasileira que determina a posse de um determinado bem em decorrência de seu uso. E venho angariando esta posse por meio de grandes e pequenos feitos cotidianos. Quando vou me referir ao parceiro clássico do feijão, por exemplo, e digo “arrôs” em bom juiz-forês, em vez de “arrôiiis”, como aprendi em Trerrí, fico uns 3% mais juiz-forana. A cada ponta ou tira de torresmo do Bigode que consumo, sobe um pouco o percentual – na mesma proporção que meu colesterol. O mesmo crédito gastronômico é aplicado a outras iguarias tipicamente locais, como a pizza do Futrica, qualquer pipoca ou coquinho do Calçadão ou mesmo um cigarrete – delícia que, por sinal, muitos cariocas desconhecem.

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Pegar o ônibus lotado daquele trocador que dizia “um passinho à frente, por favor”, certamente também elevou os níveis. Quando aprendi a palavra “jagodes”, nunca mais parei de usar, o que contribuiu em escalas altíssimas para minha cidadania juiz-forana – visto que a expressão já está em desuso pelas gerações mais novas, sendo, atualmente, uma relíquia vocabular local. O mesmo valeria para vênas, mas essa não emplacou no meu léxico. Do mesmo jeito, se subo ou desço no elevador do Edifício Alber Ganimi, e dou um sorrisinho de canto de boca por parecer estar contrariando a gravidade (como se fizesse aquilo desde criança), o grau de natividade diz ao ascensorista: sobe! (ao passo que a idade mental exclama: desce!).

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Eu poderia reforçar minha tese com vários outros exemplos, mas nenhum há de ter tido efeito tão definitivo na minha identidade juiz-forana quanto o que me passou essa semana. Vinha para o trabalho a pé, como de costume, e chegava à sede da Tribuna, no Poço Rico, quando um senhorzinho, já meio cambaleante, vinha na minha direção. Quando chegou mais perto, distingui o escudo da camisa que vestia, era do Tupi. Sem pensar ou pestanejar, e a despeito do meu desinteresse e ignorância futebolísticos, gritei a plenos pulmões: “Vamo, gaaaaaalôôôôôôôôôôôô!”, saindo do meu armário Carijó. O véio sorriu de orelha a orelha, seguiu rumo ainda zigue-zagueante, e respondeu, já lá na frente: “Vamo subiiiiiir!”. Assim obedeceu minha “juiz-foranidade”, subiu de vez, até onde jamais havia chegado. Como há de fazer o Tupi.

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