Eu não acompanho futebol, não tenho time (apesar de ter sido criada para ser vascaína, desculpa pai) e nem sei a escalação completa da Seleção Brasileira. Dito isto, de quatro em quatro anos, sou sim contagiada por este espírito copeiro, que faz gente como eu assistir a jogos que jamais assistiria, e até soltar expressões completamente alheias ao meu vocabulário, como “retrancado”, “corneteiro”, “juizão” e outras. Por vezes, a partida dececpciona. Mas tudo bem, é Copa, vamos sair (talvez meio pistolas, tipo o canarinho) sorrindo, tomar mais uma cerveja, “no próximo jogo vai ser melhor.”
O que não melhora, passem quantas Copas passarem, é a maneira repugnante como as mulheres são tratadas neste contexto futebolístico – e no mundo. Nem vou me ater ao cotidiano “Gosta de futebol? Então me explica o que é impedimento!”. Mundial após Mundial, mulheres são ridicularizadas, humilhadas, assediadas, expostas e vitimadas por idiotas hiperfantasiados com as camisas da seleção de seu país.
Lamentavelmente, esse gol (contra), os brasileiros nunca deixam de marcar. O caso dos homens que participam de um vídeo misógino e machista de assédio a uma mulher russa não por acaso traz caras que fazem parte de instituições tradicionais, ocuparam cargos políticos, devem pensão alimentar, vivem em um faz de conta de privilégios e impunidade que descabidamente torna “engraçado” fazer uma mulher falar, em uma lingua estrangeira que ela desconhece, sobre sua genitália, sem fazer ideia do que está dizendo. Isso sem mencionar todos os outros vídeos, variações do mesmo tom, que foram entupindo nossas timelines e revelando como a misoginia é tão facilmente tolerada – para não dizer legitimada.
Se é urgente que violências como esta sejam desnaturalizadas, o mesmo acontece com alguns dos argumentos – bem-intencionados, até reconheço – contra elas. Muito se vê por aí a máxima “pense que poderia ser sua irmã/mãe/filha/esposa/sobrinha/insira aqui uma mulher de seu convívio e afeto”, que desumaniza todas que não estão nesta categoria de proximidade. Exigimos respeito amplo, geral e irrestrito, apenas por existirmos: na Copa, nos nossos trabalhos, nos nossos relacionamentos, nas nossas escolhas e em todas, todas as esferas da vida. Todas nós: eu, a russa e todas as outras assediadas, a gostosa de saia curta na rua, a sua chefe, sua estagiária, sua colega de trabalho, toda e qualquer de nós, onde e como quer que estejamos. Repito: exigimos, demandaremos e merecemos respeito e segurança (além do direito inalienável de falarmos sobre nossa genitália somente para quem e em que contexto quisermos). E sua mãe também – mas não pelo simples fato de sê-la.