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Cafajeste

julia coluna
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Outro dia, ouvi em uma mesa de bar, só com amigos e amigas: “Vocês gostam é de cafajeste”. É claro que foi um homem que disse isso, certamente sem pensar, mas fazendo um coro à lógica que fez com que Elaine Perez fosse espancada e torturada por quatro horas, numa clara tentativa de feminicídio. “Mas ela levou o cara pra casa, e nem conhecia”. Fico impressionada com a crueldade de um argumento que culpa a vítima, que está completamente desfigurada, e talvez tenha a chance de voltar a se reconhecer no espelho em um tempo mínimo de seis meses. Uma vítima atacada durante o sono. Uma vítima que mantinha conversas virtuais com o suspeito por oito meses, com certeza tentando se cercar de alguma segurança antes de um contato tête-à-tête. Muito mais ainda me estarrece comentários assim virem, em maioria, de gente que acredita na internet como verdade absoluta, no “Zap” como informação segura e inquestionável.

Não, nós não gostamos de cafajestes. Na verdade, nós morremos de medo deles. Estamos apavoradas, olhando por cima dos ombros, mudando o trajeto, evitando lugares, deixando de fazer coisas sozinhas. Temos medo de que um cafajeste como esse nos mate, nos espanque, nos viole física, emocional e mentalmente. Em nossas casas, nas deles, no trânsito, em um caminho mais escuro, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Temos pavor dele,  porque esse cafajeste pode ser um desconhecido sim, pode ser o cara com quem a gente conversou por meses a fio em um aplicativo de pegação, pode ser o marido de 40 anos de união (ou um mês, ou uma semana, ou quanto tempo for), um namorado, um ex- qualquer coisa, um ficante, um irmão, um pai, um padrasto, um avô, um amigo, um bandido, um padre, um pastor, um professor, um médico, um dono de bar, um policial, um segurança, um andarilho, um patrão, um subordinado, qualquer um. Literalmente qualquer um. LITERALMENTE.

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E eu fico pensando cá com meus botões que se pessoas que convivem com mulheres, que as amam, e as querem bem são capazes de dizer que “gostamos é de cafajeste” e, por consequência, somos responsáveis pela nossa própria sorte – que, spoiler, é azar! -, que tipo de esperança podemos ter? Que chance têm – pior ainda – as que estão ainda mais abaixo que eu, por exemplo, na pirâmide dos privilégios?

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Durante muito tempo, quando eu escutava algo que se assemelhasse a uma briga de casal, a algo que pudesse soar como um ato de violência, eu também me omitia. Fazia como essa gente que adora um Procon, não perde oportunidade reclamar de barulho de vizinho, controla a vida dos outros o tempo todo, quer sempre saber da última fofoca, mas acha que denunciar uma possível agressão contra mulher é coisa para não se “meter a colher”, não se “intrometer”. Pois eu meto a colher sim. Porque caso eu deixe de fazê-lo, estarão metendo a porrada, a bala, o pinto à força, a facada, o terror em nossas cabeças e vidas. Metamos a colher sim. Afinal, odiamos cafajestes – e queremos que eles fiquem bem longe de qualquer uma de nós.

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