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Do lado de cá

julia coluna
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Na polaridade eleitoral e na vida, parece haver, cada vez mais claro, o “lado de cá” e o “lado de lá”. Eu só posso falar de onde vivo, o meu lado, o de cá. Aqui, eu vejo gente tentando construir. Tentando mudar realidades; mudar padrões de comportamento, conduta e de normatização que oprimem; gente que se endurece sim – porque a vida e as constantes porradas inerentes à resistência fazem disso um processo inalienável -, mas nunca sem perder de vista a empatia ou, ao menos, esforçando-se ao máximo para isso. Ainda que errando pelo caminho. Do meu lado, vejo gente tentando combater o que é injusto e inadmissível, mas nunca sem perder uma boa risada, e o melhor: rindo junto. Gente que não se cala e não se deixa levar por provocações baixas e baratas. Daqui, de onde estou, tem um pessoal que foi abandonando convicções e posturas que não foram cabendo mais, atos de maior ou menor intolerância, gente que vive num esforço contínuo de desconstrução – porque sim, ela é um processo eterno.

Dia desses, numa dessas boas e despretensiosas conversas de WhatsApp, falava, em outro contexto, obviamente com outro caro representante do lado de cá, sobre como é bom estar em movimento. Conhecer pessoas, ideias, perspectivas novas, que abrem nossas cabeças e fazem a gente ver que o mundo é infinitamente maior, mais complexo e mais cheio de saberes que o limite que nossa vista alcança. Do lado de cá, eu só vejo devir, caminhar, transformar, o movimento que tanto me encanta.

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Do outro lado, todos estão não apenas parados, mas como diria a velha canção, “todos estão surdos”. Repetem dizeres que remetem a sociedades longínquas e que, não por acaso, ruíram. Lá tem gente tão estática que o alcance do olhar é tão curto que só chega ao próprio umbigo. Raramente se vê algum sorrindo, quanto mais soltando uma gargalhada frouxa. Infelizmente, do lado de lá não há silêncio, mas gritos desordenados e escandalosos, feito crianças fazendo birra: “Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria”, versaria Chico. Também é lá que vejo gente dando facadas, tiros e apelando a toda forma de violência – porque onde estou não cabe essa laia de gente. Não raramente, do lado de lá, a incapacidade argumentativa é regurgitada em indiretas dita entredentes ou bradadas sob o escudo falso de uma tela. Daqui de onde estou, vejo o lado de lá e seus tristes integrantes criando pés de aço, que os tornam cada dia mais imóveis. Incapazes de sair do lugar, afogam-se em ódio. “Filha do medo, a raiva é mãe da covardia” (perdão por insistir no Chico).

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Não se trata de uma disputa, porque ao vivermos num mundo onde sequer exista esse “lado de lá”, todos nós perdemos, aqui e acolá. Mas a quem insiste em competir e fazer de tudo uma guerra, eu reafirmo, sem sequer piscar os olhos de dúvida, as palavras de Darcy Ribeiro, sobre uma hipotética e utópica vitória dos que não estão do lado de cá: “Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. O lado de lá. Mas que fique registrado: acredito muito, muito mais no poder que constrói – o do lado de cá – do que naquele que destrói – o de alhures-, como ouvi em uma palestra de João Trevisan recentemente. A construção não tem limites, enquanto o destino da destruição é, inevitavelmente, seu próprio fim.

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