Vivo aflita com o passar do tempo. Talvez por uma culpa católica que atribuo ao colégio de freiras em que estudei boa parte da vida, de sainha plissada, meias soquete invariavelmente alvas e tênis (quase nunca sapatos) ora pretos e ora branquíssimos (“espero que ‘cê repare”) – exclusivamente -, tenho um compromisso que beira a patologia com a pontualidade. Igualmente, o compasso acelerado dos ponteiros me angustia também pelos aplausos em festinhas de escola a que não posso ir, pelas congratulações de aniversários registradas apenas por bytes, pela ruga que eu não vi aparecer, o dente que eu não vi cair, a barriga que não vi crescer, o beijo de boa noite que é só uma carinha amarela bicuda na tela do meu celular.
Desde que entendi que ele, o tempo, é uma das maiores riquezas de que dispomos, inconscientemente (ou nem tanto), fui tratando de preencher o meu e, ironicamente, fui ficando mais pobre das minhas reservas de tal recurso dedicadas apenas a que a vida siga seu curso, sem que estejam consumidas pelas engrenagens do “tenho que”. Talvez seja por isso que, mesmo fazendo uso de (quase) todo meu lastro temporal, vez ou outra eu sinta uma ânsia por algo que não sei propriamente o que é, uma fisgada como a que sinto na lombar mas que não me deixa por completo, fica sempre à espreita. Aparece. Vou fazer mais alguma coisa. Some. Trabalho. Aparece. Durmo. Some. Entro no ônibus. Aparece. Some. Aparece…
Outra coisa sobre a temporalidade é que ela é ardilosa, pega a gente de surpresa com suas armadilhas. Tarde da noite de um dia que havia começado cedíssimo da manhã, me sentei para estudar e fui arrebatada por uma destas arapucas, escondidinha ali nos meus textos acadêmicos a ler. Num artigo sobre a “antropologia das emoções”, eis que encontro o diagnóstico para as pontadas que sinto na aceleração de meus dias: “sentir saudade seria subtrair-se à passagem inexorável do tempo”. E entre marcadores de texto fosforescentes que me mancham os dedos irremediavelmente, entendi: na correria de um lado para outro, vez em quando caio, menos ou mais profundamente, em um vácuo do tempo. E ainda que não seja sempre ruim, dá uma dorzinha, uma espetada. Não é a lombar, é saudade.