Nessa última semana fui, pela primeira vez, a um presídio. Cobria uma iniciativa para que as detentas possam ser reintegradas à sociedade após cumprirem suas penas. Não sabia o que me aguardava, mas claro que tinha meus pré-conceitos (podem juntar os termos, porque todo “pré-conceito” é “preconceito”), e imaginava que veria mulheres indignadas com a privação da liberdade, cuspindo marimbondo contra o sistema e quiçá até um pouco violentas. Conversei com duas delas, que reconheciam o desconforto do presídio e a vida de recursos ínfimos a que estavam submetidas, mas que admitiam os crimes que as puseram atrás das grades e reconheciam a necessidade legal de punição por eles. Só que sem perder a serenidade e, mais surpreendentemente ainda, a esperança, o que me impressionou bastante.
Duvido que, no lugar delas, conseguiria manter o otimismo sendo privada de meu ir e vir, ainda que admitisse os erros que tivessem me levado a viver assim e as sanções cabíveis a eles. Sou reclamona nata, e tenho uma tendência perturbadora a perder a fé nas pessoas e nos sistemas, ainda que venha lutando para reverter isso – afinal, é preciso acreditar! Aquelas mulheres falavam sobre o futuro, sobre o reencontro com parentes e pessoas queridas, sobre fazer do tempo na cadeia uma oportunidade para estudar e almejar uma profissão, sobre lutar para que os filhos não tenham o mesmo destino que as pôs ali. Tudo isso com um brilho nos olhos e uma crença comovente em dias melhores, coisas que muitas vezes nos falta, mesmo podendo circular por onde bem quisermos, e dormindo em nossas camas quentes e aconchegantes todas as noites.
Fiquei tocada, principalmente por saber bem que, em uma triste maioria das vezes, elas não se reintegram à nossa tão imperfeita sociedade após a pena. Porque nossos ‘instintos’ começam logo a gritar: “Mas coisa boa não deve ser, estava na cadeia!”. Julgamos, como sempre, sem o devido conhecimento. Cria-se o círculo vicioso tão conhecido: reincidência. E daí para frente, é só na base da estatística: “Fulano (a) já tem ficha”. Mas também tinha carteira de trabalho, não tinha? Torcer pelas detentas de “Orange is the new black” (seriado americano que se passa em um presídio feminino) do sofá é mole. Raro é ver torcida para que as presidiárias da vida real possam ter uma chance de redenção, ainda que em um regime tão infinitamente cheio de falhas.
Pode ser que eu seja inocente demais, pode ser o efeito rebote de uma vida acreditando em Paulo Freire e pode só ser que eu tenha ficado muito impressionada com minha primeira ida à cadeia. E antes que alguém cogite dizer: não, não vou levar para casa. Mas saí de lá vendo que aquelas duas mulheres estavam livres, já que podiam vislumbrar uma vida além das grades que as detém agora, e além das realidades sociais e escolhas erradas que as puseram ali. E tive a certeza absoluta que a pior e mais enclausurante prisão que existe é o preconceito nosso de cada dia.