Já vou pedindo perdão pelo clichê, mas uma das coisas que mais me instiga nos estudos, na leitura, é o descortinamento de realidades, pessoas, coisas, que fazem a gente ver o mundo sob um prisma que jamais havíamos pensado antes. Mesmo sendo jornalista e sendo cria da grande safra de 1985, eu nunca tinha ouvido falar no desastre radioativo que ocorreu em Goiânia (GO), em 1987. O acidente ocorreu quando dois catadores de lixo encontraram, em uma clínica abandonada, uma máquina de tratamento de câncer que continha uma cápsula com cloreto de césio, o composto Césio- 137. A substância emitia um brilho azul à noite, o que encantou a população, que desconhecia o fato de o material ser altamente radioativo e tóxico. Foram precisos só 16 dias para que a substância matasse quatro pessoas e contaminasse centenas, com os sobreviventes carregando estigmas e traumas emocionais até hoje.
Sem entrar nos muitos pormenores do caso, fiquei muito impressionada com o fato de nunca ter ouvido falar de um acidente de tamanha proporção, considerado um dos maiores da história. Primeiro porque pensei no caos absoluto que algo assim causaria nos dias de hoje. Em alguns segundos, tenho certeza de que se espalharia uma corrente de informações – provavelmente erradas – sobre a contaminação, instaurando um medo coletivo por todo o país. Os catadores que encontraram a substância seriam, sem qualquer sombra de dúvidas, punidos pelos “justiceiros”, cidadãos “de bem” prontos para “defender” o país “com as próprias mãos”. Aeroportos, rodoviárias e quaisquer lugares de fuga se tornariam um inferno, com quebra-quebra (e talvez “pisa-pisa” e “morre-morre”) pelo “pirão primeiro” de conseguir se afastar da toxina – ainda que ilusoriamente. Com razão, perdidas entre fake news e informações corretas, as pessoas temeriam por suas vidas como conheciam, e o caos generalizado se instauraria. Em tempos de cultura do ódio, imagina só o efeito de desconfiar de que quem está ao lado pode nos contaminar com uma toxina mortal? Não tenho qualquer hesitação, seria o horror, o horror.
Para além das conjecturas sobre a tragédia em si, fiquei pensando no quanto, em nossas inocências e desconhecimentos, a gente se deixa encantar por luzes hipnotizantes que cruzam nosso caminho e mais: o quanto a gente vive na esperança que de um brilho “maior” venha nos trazer a paz ou a felicidade que passamos a existência procurando. Para no fim das contas, mais frequentemente do que gostaríamos, aquilo que aparentemente tanto irradiava luz ser algo que, ao contrário, nos suga a vida.
Vivemos nessa cultura em que precisamos sempre “mais”. De trabalhar mais, ter mais dinheiro, ter/ser um corpo mais magro ou mais forte, viajar mais, produzir mais, saber mais sobre tudo, ter mais disposição, sair mais, descansar mais, “viver” mais – como se fosse possível com tanta exigência. Não é de se espantar que a gente ache que a felicidade simplesmente não pode estar no nosso dia a dia, nas pessoas que nos cercam, nos caminhos por que a gente passa cotidianamente, na vida apenas seguindo seu curso. Daí buscarmos sempre uma luz maior, mais brilhante, que possa nos trazer alguma forma de plenitude maior. Só para no fim cairmos no “canto da sereia”, no “outro de tolo” e, em casos mais tristes, no Césio- 137. Não estou, obviamente, advogando pela mediocridade.
Mas é que é muito frustrante olhar para trás e soltar o chavão mais cheio de remorso que existe: “eu era feliz e não sabia”. Longe de mim querer protagonizar um piriri de regras, eu acho que a gente deve sempre querer melhorar e ter ambição sim. E ninguém, ninguém está livre de se encantar por coisas que reluzem divinamente, mas que nada têm de ouro. Eu só espero que o brilho nunca nos cegue a ponto de vermos o que já está aqui, no atropelar dos nossos dias. E como meu tempo é curtíssimo, eu quero mais é ser feliz sabendo.