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“Amiga, minha mãe está morrendo”

julia coluna
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A mensagem pulou na tela do meu celular e eu fiquei paralisada. A cada piscadela que damos, surge um novo filtro, um novo aplicativo, um novo aparelho que faz tudo sozinho para você, um sei-lá-o-que tecnológico para tornar as coisas mais ágeis, só para estarmos mais disponíveis para a correria que é viver. Mas nenhuma função do meu moderníssimo telefone poderia ajudar a responder essa sequência de palavras de uma maneira que pudesse ajudar a aplacar a dor. “Minha mãe está morrendo”. Não é “morreu”, “está doente”, “está mal”. É “minha mãe está morrendo”. Um processo em andamento. Doloroso e, não importa quanto tempo dure, invariavelmente lento. Não respondi a mensagem. Aliás, respondi: “Quer que eu te ligue, quer falar?”. “Não sei”. “Vou ligar, e se você não quiser mais, desliga, tá?”. Liguei. Ela chorou, eu chorei, conversamos uns minutos com calma e racionalidade, aqueles papos que se tem que ter nessas horas, “não quero que ela sofra”, “quero o melhor pra ela”. Palavras que trazem certo conforto racionalmente, mas não são cinto de segurança para a espiral de dor que é perder uma pessoa para a única certeza que temos, a morte.

Quanto mais as amizades evoluem-e isso independe de tempo- , a gente vai se deparando com momentos de muito sofrimento, inerentes à vida. As mensagens vão deixando de ser só passando de convites a cervejinhas, cineminhas ou lamentos sobre pés na bunda, falta de grana e amores não correspondidos. “Meu pai infartou”. “Mamãe se foi”. “Estou com câncer”. “Vou me separar”. “Perdi meu bebê”. “Minha mãe foi internada”. “Meu marido está doente, não tem cura”. “Minha mãe está morrendo”. Amizades adultas não são casuais, não são só leveza, não são só “ter com quem contar”, não ficam só no que está na superfície, no que é instagramável. São isso também, claro – e ainda bem! Mas têm toda uma carga que não se vê, mas se vive.

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O Matheus escreveu outro dia que “não importa o quanto se vive, mas como se vive”. Não num clichê jamesdeaniano de “viva rápido e morra jovem”, mas no sentido de ter, de fato, uma vida plena, independentemente do quanto ela dure. Eu não sou médica, não sei o que vai acontecer com a mãe da minha amiga, também não tenho respostas para casamentos que acabam, para lutos por perda de filhos ou para qualquer dor desta magnitude. Sei que vou passar por algumas delas, inexoravelmente. Mas fui construindo na vida, entre cervejinhas, cineminhas e afagos pós-pé na bunda, um pequeno grande tesouro de gente que invariavelmente vai receber, ainda que não queira, uma ligação minha quando a realidade for dolorosa demais. Às vezes o que a gente tem de mais precioso para oferecer a quem a gente ama é um silêncio a ser preenchido, num mundo em que todo mundo anda tão cheio de certezas, até sobre a dor alheia.

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