“Temos que deixar de ser um país de maricas.” Infelizmente, no Brasil de 2020 não surpreende mais que a frase, desprovida de qualquer profundidade argumentativa e o mais parco sinal de inteligência e polidez, tenha sido proferida por quem foi.
Justificar o caos sanitário e as mais de 160 mil mortes por Covid- 19 com uma suposta covardia implícita no termo “maricas” é uma tentativa desesperada de isentar o Estado de (ir)responsabilidade e (in)competência sobre a pandemia e seus horríveis desdobramentos. Quem, então, é o covarde?
Como acontece com quase toda palavra, “maricas” tem algumas origens, e não só uma. Assim, todos os dicionários trarão uma definição com variantes que apontam para o sinônimo de “homem efeminado”, “homossexual”. Alguns trarão a ideia de alguém, independentemente do gênero, que tem medo de tudo, covarde.
A etimologia, estudo dedicado à origem das palavras, aponta, ainda, que “maricas” é um dos diminutivos de Maria, universalmente reconhecido como sendo um nome “de mulher” – embora nome não tenha gênero. Então surpreende mesmo absolutamente nada que, para alguém que afirma “não te estupro porque você não merece”, o pior insulto que se possa fazer seja “maricas”, algo associado a ser mulher na origem do próprio termo.
Estava achando estranho e quase cômico – se tudo neste país não fosse absolutamente trágico – que, em todas as descrições que havia encontrado, eu gostaria mais que vivêssemos em um país cheio, abarrotado, lotado de maricas. A referência é os que temem a Covid-19 e buscam se proteger? Manda mais maricas que tá pouco. A citação remete a homens gays, viados, bichas, baitolas, perobas? Ótimo, inclusive acho importante que sejam tão mais “escandalosos” quanto queiram, para romper também com a hipocrisia homofóbica de quem acha que gay tem que ser “discreto”- seja lá o que isso signifique. E quando “maricas” deriva de Maria, de mulher, eu não vejo covardia, mas um potencial explosivo de revolução – ainda que se descubra às vezes, em algumas delegacias, que se trata de autoimplosão, não explosão propriamente dita. De qualquer forma, em qualquer destas acepções, eu sou uma incorrigível entusiasta de maricas.
Ironicamente, percorrendo o Michaelis, encontrei uma definição que me causou algo que jamais pensei que teria que admitir em toda minha vida. Veja bem: eu faço questão de me opor completamente à presidência deste país, em qualquer que seja a situação. Mas descobri no dicionário que “maricas” também diz respeito, no português arcaico, ao “indivíduo que assediava todas as mulheres”. Estritamente neste sentido, sou obrigada a concordar: “Temos que deixar de ser um país de maricas”. Principalmente aqueles tão apegados a este termo.