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Milk-shake

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Outro dia, saindo do shopping, uma cena me surpreendeu. Uma menina de seus 4, 5 anos pulava pra chamar atenção do pai, abanando aquele copão de milk-shake do Bob’s bem nas fuças dele, dizendo: “Papaaaaai, papaaaaai, olha meu copo, vou guardar de brinde!”. Achei aquele momento, embora tão corriqueiro, tão banal, e tão passível de não ser percebido, de uma inocência que só mesmo as crianças têm, e por isso mesmo é tão linda e genuína. Um copo de plástico, usado, sem nada de mais, nem um personagem do momento para ilustrar, e ela quis logo “guardar de brinde”. Talvez como lembrança do dia, talvez pela surpresa em poder levar o copo “de graça”, não importa. O gesto me arrancou um sorriso, mas de Monalisa, com aquela tristeza iminente.

Por ter uma alta quilometragem em rolos de papel de trouxa, fui ficando mais cabreira, mais desconfiada, “sempre alerta”. Assim, todas as vezes em que minha inocência me derrubou ( e ainda derruba), fui ficando também inevitavelmente mais amarga, o que é de uma tristeza imensurável. Quando vi, fui ficando deste jeito: confio em pouquíssimas pessoas, espero quase sempre pelo pior vindo delas e muitas, muitas vezes, quando me dou conta, estou de cara amarrada, involuntariamente. Vejam só que triste: minha cara habitual é uma carranca.Não que seja exatamente ruim a gente ficar mais casca-grossa. Mas de dentro do escudo que criamos, embora fiquemos protegidos, também perdemos a visibilidade, e a capacidade de sentir as coisas na pele.

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Eu queria ter a inocência de me alegrar com algo tão idiota quanto um copo de milk-shake. Queria também acreditar que o governo de um presidente ficha suja, aliado “gente de bem” (ré da Lava-Jato, advogado do PCC, condenado por estupro e cárcere privado…); e movido por interesses escusos, particulares e excludentes; é um avanço para o Brasil, em qualquer sentido que seja. Amaria que a dissolução do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos; do Ministério da Cultura e da Previdência fosse realmente só uma “enxugada” para acabar com “cabides de empregos”, e não uma condenação de suas pautas à invisibilidade. Adoraria ter fé em que um ministério formado exclusivamente por homens brancos, heterossexuais, cis, ricos e velhos – assim como seu maestro- farão mesmo o país “voltar a sonhar”. Do fundo do meu coração, desejaria ter a ingenuidade de acreditar que a extinção da Controladoria Geral da União (CGU), órgão responsável pelo combate à corrupção no funcionalismo público… Espera. Esta não dá nem pra completar, ninguém é tão inocente assim!

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A vida deixa a gente calejado demais para certas crenças, que quando a gente vê, são tão idiotas quanto guardar um copo usado de lanchonete de rede. Eu queria muito conseguir ver que estamos caminhando para frente, mas sou de um tempo que está para voltar, em que milk-shake era coisa de rico.

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