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Adélia

julia pessoa coluna 1
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Tenho andado nos sapatos de Adélia Prado. Apertam-me os pés, porque me falta um mundo de destreza e genialidade com as palavras, mas calço-os mesmo assim. Enquanto caminho, penso – pretensiosamente – que o mundo anda me entortando de um jeito parecido ao que um dia revirou a mulher desdobrável. Eu sou. Fui até ao oftalmologista para garantir que não se tratava de um mal das vistas, mas sigo enxergando bem. O que acabou foi a poesia, como quando acaba a luz. Será que volta?

Como Adélia, agora quando olho pedra, vejo pedra mesmo. Acho graça que a juventude use “literalmente” de forma errada: “eu literalmente boiei naquela aula”. Caso não se trate de aula de natação, tenho um pouco de inveja, confesso. Porque venho carregando um cansaço doído da materialidade das coisas.

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Se digo, por exemplo, que escrevo aqui com o peito rasgado, tenho uma cicatriz (discreta, verdade) de fora a fora que endossa os termos. Quando ouço que espancaram um homem preto até a morte, quisera eu que fosse figura de linguagem, é descrição metódica. Tem até um assombroso VAR para o tira-teima. Se leio sobre nazismo em pleno 2022, não é um exagero retórico denunciando posturas extremistas.  É defesa explícita do “direito” de sê-lo, com saudação hitleriana em rede nacional para ilustrar.

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Sigo por aí procurando por pedregulhos que transbordem seu estado de corpo duro e sólido, para que eu veja neles outra coisa. Algo além de pedra por pedra. Caso encontre, planejo tacar com toda força na vidraça da literalidade, caminhar entre os caquinhos e chegar ao outro lado, onde agora vivem as metáforas. Aprisionadas. Veja só, parece que encontrei um pedrisco promissor, afinal.

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