Estamos na geração da corcunda. Passamos o tempo todo com pescoço pra baixo, rolando telas, de olho em aparelhos que carregamos como extensão de nós mesmos (um beijo, McLuhan). Não que isso seja um problema e eu me incluo no time dos superconectados na grande maioria do tempo. Como meus privilégios me permitem – não sem, às vezes, um desfalque na minha fatura de cartão de crédito – resolvo boa parte da vida com alguns deslizes de dedo na tela: peço comida, transporte, reclamo da vida, divulgo meu trabalho, me informo, me comunico com as pessoas, tudo isso bem na palminha da minha mão. Assim como quase todo mundo.
Assim, não foi de surpreender, neste universo todo virtual quando, na semana passada, uma leitora sugeriu, ao criticar a coluna, que “alguém instalasse um Tinder” para mim, “porque eu estava muito estressada”. Foi engraçado e rendeu boas piadas entre meus amigos e amigas, admito. Mas há muito mais por trás desta “piada” – que quando posta em questão sempre tem como réplica um “kkkkk tava brincando, agora não pode nada” – do que se vê inicialmente. É a cultura patriarcal que tenta nos pintar de loucas, raivosas e sem razão, e a profilaxia sugerida pela ignorância popular (porque não dá para chamar de sabedoria) é sempre sexo. E presumidamente com um macho. Mas isso é assunto para outra coluna, oportunamente. Porque muito mais grave do que suposições bestas sobre a minha vida sexual – da qual cuido eu e vai bem, obrigada! -, a internet nos “presenteou”, bem aqui em Jufas, com um episódio repugnante. Corrijo: a internet não, mas quem crê que a tecnologia oferece algum tipo de onipotência e salvo-conduto para se dizer o que se quer a qualquer pessoa, impunemente.
Apesar da minha pouca fé na humanidade, fiquei escandalizada com as agressões em um post de NATAL da cantora Alessandra Crispin. “Macaca”, “vagabunda”, “sapatão”, “tomou no c*”… Não tenho direito de falar como a Alessandra falaria sobre os ataques que sofreu. Não sou negra, não sou lésbica, não sou da periferia, mas entendo como estes recortes vêm de preconceitos históricos que a tornam ainda mais suscetível a estar na mira do ódio. Por outro lado, sou mulher também. E somos muito mais massacradas, dentro e foras das redes, pelo que fazemos e pelo que não fazemos, pelo que dizemos e o que não dizemos, pelo que vestimos e o que não vestimos, pelas nossas peles, cabelos, profissões, corpos, tesões e amores. Por existirmos. Por resistirmos.
Quem dera mesmo a vida real funcionasse como o Tinder, em que a gente pode simplesmente dar um “não” para quem não nos agrada e a pessoa desaparece das nossas vistas e nem tem chance de fazer contato. Mas o ódio é analógico. Não tem botão que a gente aperte ou deslize para calar quem o destila. Por outro lado, os bytes até podem parecer ocultar identidades, mas no fim das contas, quem espalha racismo, misoginia, homofobia e tantos outros tipos de discriminação como o agressor da Alessandra pode, cedo ou tarde, dar um “match” é com o xadrez.