Depois de muito resistir, Deus abriu o computador (tinha mãos muito grandes e onipotentes para touchscreen) e decidiu atender ao clamor popular: entrou no Facebook.
Rolou um pouco a tela e logo as notificações de amizades atingiram as casas de zilhões. Quase mudou o nome de usuário para “Deus-perfil lotado” e abriu já um “Deus II- add aqui”. Mas resolveu dar uma explorada no território virtual antes de se assanhar a isso.
“Se você tem amor por Deus, compartilhe, se acredita nele,curta. Se é indiferente, nada faça”, leu o Todo-Poderoso.
– Tô com moral, hein, Pedro? 13.648.283.627 compartilhamentos e 284.857.283.838 curtidas!
– Tá sim, Senhor.
Do fundo, uma voz disse:
– Mas imagina o tanto de gente que fez nada!
– Ai, Judas, você é um seca-pimenteira mesmo!
Depois da resposta atravessada ao notório traíra, Deus seguiu a leitura:
“Eduardo Cunha faz manobra para aprovar redução da maioridade penal”.
– Quem é esse Eduardo Cunha, Pedro?
– Ihhh Senhor, é só treta! É o cara do “Dia do Orgulho Hétero” do Brasil, sabe qual? E tem mais: Andam fazendo muita lenha em seu nome no Brasil.
Contrariado, mas curioso, Deus foi fuxicar o que se passou no Brasil nos últimos tempos: “Maju sofre ataques racistas na rede”, “Outro negro é amarrado em poste e espancado”, “Novela é boicotada após beijo entre duas mulheres”, “Vereador de Juiz de Fora é flagrado com animais mortos em barco”…
– Que absurdo, meu Deus! Digo….eu! Onde é Juiz de Fora, Pedro?
– Em Minas, Senhor.
– Ahhh, lá onde tem aquele torresmo que dizem que é criação minha?
– Lá mesmo.
Novato e “sabe de nada”, Deus foi aos comentários das postagens. Aí o golpe foi fatal: “Bandido bom é bandido morto”, “Volta pra senzala, Neguinho”, “Intervenção militar já”, “Com essa saia curta, tava pedindo”, “Deus fez Adão e Eva, não Adão e Ivo”… Quando tomaram seu nome em vão, foi demais. Deus ficou fulo, e parou de brincar de internet.
“Deseja cancelar sua conta?” “Sim”. E assim fez, chorando as pitangas com o porteiro do Paraíso.
– Ah, Pedro, o Facebook é ótimo! Mas as pessoas… elas são horríveis.
(Essa é uma obra de ficção. Mas se Deus realmente existe, a chance de ser verdadeira é de 99,98%. Sem margem de erro.)