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Por que você faz jornalismo?

julia coluna
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Uma vez mais na vida, apareceu-me esses dias a pergunta para a qual não tenho a resposta precisa, que pipocou e pipoca em conversas informais; em debates com estudantes em sala de aula ou mesa redonda; em encontros familiares; em entrevistas de emprego e em vários contextos outros do dia a dia: “por que você faz jornalismo?”. Ora aparece assim, no presente; ora no pretérito, “por que você fez jornalismo?”. Cada vez que me “lansam a braba”, como versaria o meme, assim, com “s” (sou descolada), acredito que eu “lanse” sempre uma “braba” – ou uma mansa- diferente, a cada vez, em retorno.

Nunca repeti “desde pequena” que seria jornalista, embora também nunca tenha insistido muito em outro ofício, que me lembre. Por outro lado, tenho uma recordação vívida da primeira redação que compus, ainda quando estava sendo alfabetizada (ainda se fala assim?), e de como foi transformadora a possibilidade de ter uma voz pela escrita. Desde então, coleciono bilhetes, cartas enviadas e não enviadas, cadernos, diários, agendas e pedaços, manuscritos ou digitados (depende da época) que são evidências históricas de quem fui e venho me tornando. Será por isso que fiz/ faço jornalismo? Talvez, em parte.

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A pergunta em si sempre me remete uma réplica do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, um dos nomes mais importantes do Cinema Novo, que dirigiu obras-primas do movimento, como “O Padre e a Moça” (1966) e “Macunaíma” (1969). Filmes desses que a gente, no mínimo absoluto, ouve falar na faculdade de comunicação. Uma resposta dele em entrevista ao ao jornal francês Libération, em maio de 1987, indagado sobre por que fazia cinema, tornou-se um pequeno clássico cult. A maioria das pessoas pode conhecer como eu, musicada em faixa homônima de Adriana Calcanhotto no disco “A Fábrica do poema” (1994), que ouvi criança em fitas cassete gravadas pela minha Tia Lu. Em em vez de dar respostas que remetem a uma juventude encantada pelas câmeras ou ao desejo de construir ficções audiovisuais, Joaquim começa o que se tornou um poema com “Para chatear os imbecis” e termina com “Para ser lesado em meus direitos autorais”. Pensando como o cinemanovista, talvez eu consiga chegar a uma resposta mais palpável para o questionamento que, em tom parecido, atravessa minha vida aqui e acolá. Mimetizando-o, mas com minhas próprias motivações, tento -embora sem a melodia de Calcanhotto – dizer por que, então, fiz e faço jornalismo.

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Para chatear os homens brancos e ricos. Para não respeitada depois de matérias feitas com critério e apuração, só porque questionam privilégios e o status quo de quem sempre os teve. Para perder e recobrar a esperança na humanidade, na profissão e nos direitos trabalhistas, não raramente no mesmo dia. Para ser a “vagabunda” e “fada sensata”, em razão das exatas mesmas palavras. Para que “conhecidos e desconhecidos” me repudiem. “Para que os justos e os bons” sejam ouvidos (e ouvidas), sobretudo eu mesma. Porque comi e viajei bem a trabalho, e valeu a pena. Para escrever e ouvir sobre quem não teve voz ou vez, sobre o que mata e o que salva. Porque existem fake news. “Para insultar os arrogantes e poderosos” (e os modestos sem qualquer poder que desejam ser os primeiros e nunca serão), aqueles que bradam burramente honrarias a um mito que só  (n)os mutila. Para ser xingada em minha coluna semanal.

 

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