Umas semanas atrás, eu estava naquela belezura que é Tiradentes, cobrindo a mostra de cinema da cidade. Como a vida é muito cheia das sutilezas, é sempre lá que encontro uma amiga querida, a Flávia, sem que a gente combine. É só dar um rolê ali pelo Largo das Forras, a praça principal, que de repente ouve-se: ” Ô Júlia”, “Ô Flavinha!”, e dali engatamos para um papo para recapitular os meses ou anos que se passaram desde que a gente se viu ali, em meio ao barroco e aos cinéfilos, pela última vez.
Neste ano não foi diferente. Estava terminando uma entrevista quando ela chegou ao centro cultural onde eu estava, batemos um papo e começou a chover como se Noé fosse reunir a bicharada toda em seu barquinho de novo. Papo vai, papo vem e nada de chuva passar. Até que ela sugeriu: “Tem um bar do outro lado da rua, vamos tomar uma cerveja até estiar esse aguaceiro?”. “Claro”, respondi sem pestanejar.
Entre um copo e outro, falamos nostalgicamente sobre os tempos de faculdade; sobre amigos em comum; sobre Juiz de Fora; sobre as agrruras de ser adulta; sobre feminismo; sobre cinema; sobre a vida alheia; sobre nada. Em algum momento, chegamos à porta do botequim. Choviscava um pouco ainda, mas o céu estava com uma luz que eu nunca havia visto antes, um tom de sépia muito iluminado, que refletia sobre os telhados sem eira nem beira de Tiradentes. Parecia que estávamos em uma fotografia. Ficamos maravilhadas e tivemos a sorte de perceber aquele por do sol, que nem dos minutos rendeu. Foi um privilégio para os poucos que estavam contemplando o nada, como nós.
Foi aí que a Flávia, sempre meio “paz e amor”, soltou, sem se dar conta da profundidade do que estava dizendo: “É, a luz mágica dura só cinco minutos mesmo. Quem viu, viu. Quem não viu, já era”. Na hora, concordei, mas dei pouca importância. Fomos ver filme na praça, choveu tiraram o filme. Jantamos, li um roteiro dela, discutimos o filme, rimos até a cara doer, assistimos a um show de MPB, dançamos, e eu finalmente me cansei e fui para o hotel dormir. Feliz. Só então percebi que naquele dia, eu realmente tinha visto a luz de que a Flavinha falava, que tinha muito menos a ver com as nuances do entardecer que vimos.
Como o breve intervalo de sépia do por do sol, a tal iluminação “mágica” aparece na vida. Mas os dias vão passando e seguimos ocupados demais para apreciar qualquer coisa que não seja uma obrigação. Mas não replay para voltar às cenas perdidas. Nem à tal luz. “Quem viu, viu.. Quem não viu, já era”. No tempo de uma existência inteira, você é capaz de se deixar encantar pelos cinco minutos de luz?