Na última semana, completei 34 voltas em torno do sol. Os mais astrológicos diriam que, como clássica leonina, provavelmente penso que o astro rei é que inverteu a ordem da natureza para girar ao meu redor. Tem que acabar o preconceito com os nascidos sob o signo de Leão (bem como a justificativa de tudo pelo signo). Verdade seja dita, adoro os holofotes de aniversariante, e uma das ligações que recebi bem cedinho foi, de costume, a da minha vó, que me encheu de afeto, mas sempre acaba me fazendo rir por algum motivo.
– 34 anos, hein Júlia?
– É, né vó? Passa rápido…
– Ééééééééé, na sua idade eu já tinha filho de 13 anos.
– Cruz credo eu com filho adolescente agora, Vó! Sai fora!
E morremos, as duas, de gargalhar.
De fato, minha avó, com 50 anos a mais do que eu, viveu uma outra realidade de ser mulher. Se ainda hoje, em pleno 2019, ainda se diz bobagens como “instinto materno” e que “a mulher só se completa sendo mãe”, imagina quando o mercado de trabalho virava (ainda mais) as costas para nós, quando não tínhamos representatividade política (até 1932, nem votávamos), quando casar e ter filhos (pelo amor de Deus – e de Deus mesmo) era nosso único papel social reconhecido, entre tantos outros apagamentos da complexidade de nossas identidades. Felizmente, sempre houve quem resistisse a estas camisas de força em que vivem tentando nos enfiar. Embora ainda haja quem pense exatamente como na época em que meu sucesso como mulher seria medido por ter ou não um filho – de preferência, macho- aos 34 anos, estamos em todos os lugares.
A bota do patriarcado ainda pesa (e pisa) sobre todas nós, e esmaga muito mais forte àquelas que estão fora do que se concebe como aceitável no padrão hétero, branco, cis, magro e de classe média. Querem que sejamos Barbies, mas cada vez mais, colocamos nossos comandos em ação. Mesmo quando, justamente no dia em que a Lei Maria da Penha completou 13 anos (coincidentemente a idade de minha prole imaginária), o Ministro da Justiça diz que homens agridem mulheres por se sentirem “intimidados pelo crescente papel da mulher em nossa sociedade”. Dando sequência show de horrores – cadê aquele amigo pra dizer “Para, que tá feio”? -, Moro emendou que “parte de nós recorre, infelizmente, à violência física ou moral para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe”.
Eu tenho muita dificuldade de acreditar nesse país em que juiz-mistro diz que o homem é – ou pelo menos foi- superior à mulher, e ainda faz isso para justificar as agressões de “alguns de nós”. Infelizmente, é o Brasil de 2019. Enquanto a noção de masculinidade precisar legitimar essa falaciosa superioridade, teremos mulheres sofrendo diariamente, morrendo diariamente, simplesmente porque não nos acorrentamos aos grilhões a que essa afirmação nos submete, ao contrário, viemos rompendo-os historicamente. Mas não sem, muitas vezes, pagar um preço altíssimo por isso – não raramente o mais alto, a vida. O discurso do pop star da Lava (e da Vaza) Jato legitima, “passa pano”, justifica que homens agridam mulheres que se recusam a se dobrar a eles.
Estão intimidados? Pois que desçam do pedestal de seus privilégios históricos façam terapia, porque o rolo de nosso “crescente papel na sociedade” é infinito. Ou então, como talvez dissesse minha avó, “chorem na cama, que é lugar quente.”