Chovia na janela numa manhã mezzo-fria, mezzo-abafada dessas de verão, em que existir, por si só, era um sacrifício. Não porque a vida não valha a pena, não porque a felicidade seja incerta e não porque o amor doa; mas só porque era manhã, e o dia estava feio que só o diabo. E chovia, chovia, sem trégua.
Relutante e movida talvez por um senso de capitalismo inconsciente, deixou seu ninho de edredons e foi até a janela porque “piso de madeira estraga quando molha”.Por um instante, deixou a janela aberta, deixou que o piso estraguasse- ora, que se dane! -, deixou que a chuva fosse o que era, chuva. Chovia um chover daqueles diagonais, que não facilita o ofício de sombrinhas, marquises e senhorinhas que tantam abrigar-se sob ambos. Perto da janela, chovia um chover que a molhava. Toda. Rosto, cabelos desalinhados, peito, mãos e braços. Não importa. Deixava. Chovia, ela e a chuva. Só por um instante. São as tão faladas águas de março, promessa de alguma coisa em algum coração.
Mas talvez o chover tenha apenas vindo preencher o grande vazio que começava a se abrir em si.