Sempre que um currículo, uma amiga, aqueles parentes que só visitam uma vez por ano, ou um amor em potencial faziam a pergunta, com ares arrogantes de psicologia existencial, ela emudecia. “Mas quem é você?” Era como se as palavras fugissem da indagação, feito crianças de outros tempos (extintas hoje), que tocavam a campainha e saíam correndo. Ela era ela, uai. Emocionava-se pelas coisas que a tocavam, perdia a paciência por aquilo que lhe testava os limites (rasos, verdade seja dita) e entristecia-se com mais ou menos facilidade dependendo do dia. Mas por que precisaria responder quem era? Não bastava sê-la?
Como eu e você, ela perdia bastante tempo olhando bobagens na internet, até que certo dia viu, na postagem de uma ex-colega de colégio, a resposta que tanto lhe escapava em uma imagem que se apresentava de cara: “Notas sobre ela”. Assinada por um tal Zack Alguma Coisa, trazia em texto toda a poesia que sempre quis usar ao falar de si: era vaidosa, mas não pintava a alma; tinha fome, mas não queria amor sem sabor; seu coração sapateou em cacos, mas ainda prefere andar descalço, e sabia até de suas paixões por viajar e por ficar sozinha, descobrindo seus mundos interiores… Tanta coisa linda, e tão certeira, e tão “eu na vida” (legenda com a qual ela compartilhava todas as “notas sobre ela”), que Zack Qualquer Coisa só poderia mesmo estar falando dela, por ela. “Quem é você?” “Eu sou essa ela”, pensava agora.
Um dia, numa daquelas clarividências que vêm na fila do mercado, ela percebeu que era mais uma em uma imensa multidão de elas, poluindo as redes sociais alheias com frases sobre elas que um fulano sabe-se-lá-de-onde-no-mundo escreveu. Mais do que não ser única, “versão do diretor”, “arara azul”, “limited edition”, irritava-lhe mais a ideia de que não apenas ela, mas todas elas, todas aquelas, jamais escreviam as notas sobre si, mas eram um meme vazio criado por algum ele deste mundão.
Desde então, ela percebeu que, apesar de não estar sozinha no mundo, e ser exclusiva em praticamente nada nesta vida, ninguém haveria de ter mais propriedade para conhecê-la do que ela própria. E decidiu: nunca, nunquinha mais, usaria “notas sobre ela” para falar de si. E também não responderia ou inventaria quem era, a menos que tivesse vontade. Se fosse o caso, tomaria, ela mesma, a caneta em suas mãos: “notas sobre mim”. Porque disso – e talvez apenas disso-, pensava, “só eu posso saber”. De fato, só ela. A diferentona.