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Wellaton

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Quando o primeiro fio branco de cabelo apareceu entre os seus, que deixavam a asa da graúna no chinelo, ela não teve dúvidas: arrancou. Destoava do resto de sua cabeleira e, mais ainda, de seus vinte e poucos anos. Mas, logo, os poucos viraram alguns, e os alguns se tornaram muitos. Os cabelos e os anos. Lá pelos trinta e alguma coisa, olhou-se no espelho e viu mechas fininhas de cabelo inteiramente alvo, como se fossem resultado de algum tratamento estético descoladão e moderno da moda,com nome difícil e preço estratosférico. Mas não. Era só genética e o tempo passando.

Na maior parte do tempo, nem se lembrava dos fiapos albinos, a não ser quando algum desavisado hype elogiava: “Adorei esse efeito no seu cabelo, menina!”. “Não é efeito, é cabelo branco mesmo”, respondia, na piada, sempre constrangendo o interlocutor ainda que sem querer. Outras vezes, era lembrada que a cabeleira negra estava desbotando quando alguém, nunca ela, tentava mascarar o apressado da idade. “Mas se minha filha de trinta e tantos estiver com tanto cabelo branco, vão achar que eu tenho cem.” “Mas isso é problema seu”, pensava, mas respondia só com um sorrisinho amarelo.

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Num daqueles dias em que a gente acha que tudo está e vai dar errado, comprou um Wellaton. Pensou em mudar a vida, que tanto parecia lhe pregar peças por onde podia com menos esforço: seus cabelos. “Castanho-escuro, preto não, porque fica azulado demais”, como orientou uma amiga safa nesses lances de pintar cabelo. Não que o seu fosse virgem. Já foi louro na época em que todo mundo fazia luzes na adolescência, pouco depois das malditas duas mechas descoloridas frontais dos anos 1990, seguido por um vermelho duvidoso que se manteve até igualar com a raiz, pretinha, chegando aos 20. O medo não era da mudança, mas de negar algo que agora era seu, seus fios brancos, só porque lhe diziam que era a regra a se seguir.

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Naquele dia mesmo, leu a bula. Viu como se fazia para pintar “você mesma” as madeixas. Facinho. Fez o teste de sensibilidade, pra garantir que não teria qualquer alergia dermatológica que, sei lá, irritassem sua pele ou fizessem seus fios caírem. Não tinha. Mas deixou pra outro dia. Deu preguiça naquele, porque já era noite, e teria que lavar o cabelo, secar, e tal, uma função fiadazunha. Guardou no armarinho do banheiro. Passou dias a fio, semana, meses, abrindo o maldito armário e dando de cara com a caixinha com a modelo de cabelos brilhosos e esvoaçantes, castanho-escuros (mas, como sabia ela, ficavam pretos, na verdade). Mas nunca a abriu. “Amanhã”, pensava todos os dias. Com o tempo, passou a nem ver mais a caixa. Parecia parte da prateleira.

Quando, muito tempo depois daquela crise que a levou à compra, foi verificar a validade do Wellaton, já havia expirado há um ano e meio. Até cogitou comprar outra caixa e, desta vez sim, eliminar os brancos. Mas se lembrou de quando quis sair de saia curta e lhe disseram que era melhor ir de calça, porque podiam lhe “passar a mão”. E também de quando foi alvo de risinhos malcamuflados numa loja, enquanto experimentava uma calça justa e estava acima de seu peso. E de quando, ainda adolescente, foi demitida de um emprego de secretária por não usar maquiagem: “aparência é muito importante.” E de um namoro que acabou, porque, como lhe foi justificado “ela dava atenção demais aos outros”.  Lembrou-se de todas as vezes em que teve que ser outro alguém, porque assim lhe diziam.

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Olhou-se mais uma vez no espelho, mexendo nos fios brancos e vendo o quanto era mais plena desde que tinha passado a ser a timoneira de sua própria vida. Jogou o frasco velho fora e, sentindo-se mais linda do que nunca, enquanto dizia, só para si: “Wellaton é o cacete!”

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