Quando eu era criança, ficava pau da vida quando falavam que eu me parecia com meus pais. Fazendo uma confissão, ficava ainda mais possessa quando a comparação era com meu pai (e digo isso com amor, Pai).
Mas vejam vocês: na minha cabecinha, ser “a cara” de alguém que – coitado! – já tinha o pouco que lhe havia sobrado de cabelo quase 100% branco, antes dos 40, era revoltante! Lembro-me também de dizerem sempre que ele era “i-gual-zi-nho” a um tal Paulo Coelho, que na época eu nem sabia quem era. (Mas pela careta de desprezo que meu pai fazia quando escutava isso, sabia que não queria ter essa cara).
Acho que fui, ao longo da vida, me distanciando de referências à semelhança com meu velho, intencionalmente ou não. Coisa de adolescente. Tomei sol só com bronzeador no Nordeste e camuflei a brancura, hoje tão característica, herança dele. Andei de moto na garupa, mesmo sabendo de seu absoluto e pertinente horror dos veículos. Aos 16, mandei um piercing no umbigo – que na atualidade, felizmente habita o lixo – , sob seu discurso médico sobre o risco de hepatite C. Fiz três tatuagens à sua revelia, porém com sua compreensão, permeada por um pouco de esperança: “Vai parar por aí, né?”
Outro dia uma amiga me viu com o pai e cravou, de novo, a frase que me enlouquecia na infância. Pensei um pouco. E vi que temos a mesma testa proeminente, os pés grandes, o mesmo jeito de apoiar as mãos sobre o joelho e igual tendência a pequenos esquecimentos, além de não sermos muito fãs de conversas ao telefone.
Meus cabelos seguem castanhos, mas a genética me transferiu a paixão por Beatles, mínimo que eu poderia fazer desde que ele me ensinou que “Julia” era o nome de uma (linda) música e da mãe do John Lennon, nosso menino de Liverpool favorito, meu e dele. Nunca mais larguei livros e histórias, a datar de uma dedicatória de um, em que ele aconselhou: “Nunca se afaste dos livros, eles vão guiá-la por toda a vida.” Dito e feito. A melhor explicação de desigualdade e preconceito social que ouvi veio do pai, “as pessoas têm pavor de perder o acesso à exclusividade que o dinheiro pode dar”, e desde então, repito-a como se fosse a única possível.
O que mais gosto, talvez, seja o fato de termos um igual brilho no olhar quando estamos conversando, como um reflexo, dois abobados de puro encantamento, um nos olhos do outro. Sou a cara do pai, sim, naquilo que mais importa: o que vem de dentro. (Inclusive a aversão ao Paulo Coelho que é mesmo a cara dele. O que se há de fazer?)